José Gutiérrez Solana, Mujeres de la vida, 1915-17 |
domingo, 30 de maio de 2021
Nocturnos 61
sexta-feira, 28 de maio de 2021
Beatitudes (46) Suspender a gravidade
Andreas Feininger, A man in Arabic dress, smoking a water-cooled pipe, is comfortably sitting on a magic carpet, 1954 |
quarta-feira, 26 de maio de 2021
A persistência da memória (2)
Ruth Matilda Anderson, The Galician Milkmaid, 1925 |
segunda-feira, 24 de maio de 2021
Os festejos do Sporting e a governação socialista
Perante o espectáculo das comemorações, em tempo de pandemia, da vitória
do Sporting no campeonato de futebol, não faltou quem estabelecesse analogia
entre esse acontecimento e aquilo que se passou no Natal. A semelhança mais
notória foi a da permissividade. Permitiu-se que os portugueses fizessem o
Natal como achassem melhor. Permitiu-se que os sportinguistas comemorassem o
título de campeões como quisessem. Esta, porém, é a semelhança mais superficial
entre os acontecimentos. Nos dois casos, qualquer pessoa, com um módico de
inteligência e de atenção ao que se está a passar, poderia fazer uma previsão
tanto do que iria acontecer em termos de comportamento de portugueses e de
sportinguistas, como das suas consequências sanitárias. O traço que une os dois
acontecimentos é a falta de coragem do governo para enfrentar os portugueses,
desde que isso represente uma ameaça eleitoral.
Uma das coisas que parece ter-se tornado uma natureza nas governações socialistas é de nunca enfrentarem nem quem é particularmente poderoso, nem quem tem peso eleitoral. Não é que os governos socialistas não tenham enfrentado grupos de portugueses. Veja-se o caso dos professores e o caso dos camionistas. O governo enfrentou-os com decisão e grande eficácia, derrotando-os. Fê-lo, porém, porque estava ciente de que isso reforçava o seu peso eleitoral. Ainda por cima, só por manifesta má-fé se pode achar que professores do ensino não superior e camionistas são grupos poderosos. Os governos do PS estão vocacionados não para o que deve ser feito, mas para a contabilidade de ganhos e perdas eleitorais, mesmo que isso tenha consequências desagradáveis.
Este traço das governações socialistas é antigo. Encontra-se em todas elas com exclusão dos governos de Mário Soares, que fizeram, nas circunstâncias que eram as suas, aquilo que deveria ser feito, independentemente das consequências eleitorais. O que se passou com os festejos dos sportinguistas e com o Natal passado é um traço que se coaduna muito bem com parte dos eleitores portugueses. Gostam de soluções superficiais, de opções que não incomodem, de decisões que sejam agradáveis. Parte substancial dos portugueses é assim mesmo. A questão, porém, é se aqueles a quem foi dado o poder de governar se devem pautar pelo gosto da maioria ou se têm a responsabilidade de, a cada momento, tomar as decisões que melhor sirvam a comunidade, mesmo que isso desgoste essa comunidade. Nos casos do Natal e dos festejos dos adeptos do Sporting, tornou-se manifesta qual é a prática deste governo.
sábado, 22 de maio de 2021
A Garrafa Vazia 60
quinta-feira, 20 de maio de 2021
O progresso moral da humanidade (1)
Juan Vidales Pousa, sem título |
terça-feira, 18 de maio de 2021
A persistência da memória (1)
Kurt Hielscher, Miltenberg, 1930s |
domingo, 16 de maio de 2021
Nocturnos 60
Tono Carbajo, Círculos en Hyginus, 1992 |
sexta-feira, 14 de maio de 2021
Simulacros e simulações (23)
Joseph Kosuth, One and Three Chairs (1965) |
quarta-feira, 12 de maio de 2021
A Garrafa Vazia 59
segunda-feira, 10 de maio de 2021
O discurso de Marcelo e a democracia
As democracias são regimes políticos concorrenciais, nos quais o conflito é fundamental, sendo mesmo aquilo que lhes dá energia e os torna capazes de responderem melhor do que qualquer outro regime aos anseios das populações. No entanto, essa conflitualidade necessita de ser sustentada por um consenso de fundo, o qual permanece muitas vezes silencioso, mas nunca deixa de estar presente. Esse consenso é o grande alicerce da democracia. Se ele derrui, o regime é arrastado ou para uma situação autoritária ou, no pior dos casos, para a guerra civil.
O Presidente da República sentiu o perigo e, com o seu discurso, tentou evitar que o incêndio deflagrasse. A democracia portuguesa foi construída sobre um silêncio consensual e nunca assumido perante o passado colonial. Esse silêncio consensual não significa que não se fale nisso, que os cidadãos não tenham opiniões e sentimentos opostos sobre esse assunto. Significa que os partidos principais evitam que essa seja uma questão com visibilidade política e que interpretações diferentes do passado sejam causas de rupturas perigosas. Significa ainda que os agentes políticos esperam que a passagem do tempo faça à questão colonial aquilo que fez com a questão monárquica.
Marcelo Rebelo de Sousa sabe bem que os tempos estão
propícios para grandes clivagens identitárias e que a questão colonial
portuguesa se inscreve muito bem nesse panorama. Se se não tiver algum cuidado,
o país em vez de discutir os problemas que enfrenta não tarda está incendiado
por causa do passado. O discurso conciliador do PR tinha como fim chegar aí e
foi uma efectiva lição não de história, como se pretendeu, mas de política. Não
fez a apologia, como alguns leram, da relativização de crimes perpetrados, mas
explicou, a quem o quis ouvir, que a política é a arte do possível. Que se
investigue tudo, disse. Isto é, que a Academia faça esse trabalho e que a
política se liberte do ónus, para que o consenso necessário à democracia não
seja dilacerado até à morte desta. O discurso do PR foi um acto de defesa da
democracia.
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
sábado, 8 de maio de 2021
Perfis 17. A modelo
Walde Huth, Model Patricia in Jaques Fath, 1955 |
No momento em que, tomada por uma lentidão trágica, ergue o braço e inclina a cabeça, ela deixa que o corpo, envolto em ondas de claro e escuro, contrastadas para se sublinharem, se torne um jogo de linhas e movimentos serpenteantes, de formas precisas e promessa adiadas, o sinal de um fogo contido, de um vulcão dissimulado, de uma estrela amenizada pelas longas distâncias. Toda o refreamento que há naquela silhueta hierática, colocada sobre a influência astral da mais conhecida das torres francesas, é o anverso do desejo que ateia nos olhos incautos de quem a olha. Num primeiro momento, é a roupa que se torna objecto desse anelo, mulheres que se queriam assim vestidas, homens que devaneiam descobrir-se ao lado de alguém que desse modo se apresentasse. O olhar, porém, só por momentos se entrega ao ludíbrio das aparências. Logo vê para lá do branco e negro com que ela se envolve. Antecipa o corpo livre daquilo que o cobre, o desalinho da entrega, o ardor que da pele haveria de chegar. Ela, porém, indiferente ao desejo de quem a possa desejar, encerra-se em si mesma, sublinha o seu segredo, para devir enigma e quebra-cabeças para os olhos que sobre ela recaem. Na sua mente, não há outra coisa senão esse momento em que se entrega à representação como sendo a única realidade existente no mundo. Toda a sua existência é feita de gestos suspensos, tornando-se estátua, libertando-se do efémero da vida, interpondo entre si e a realidade a mais intransponível das fronteiras. Nessa coreografia não há mácula, apenas a inocência de estar ali, a simplicidade culpada de não querer saber que toda a sua representação de uma fria distância é o rastilho aceso que explodirá, um fogo de artifício na noite mais escura do ano.
quinta-feira, 6 de maio de 2021
Simulacros e simulações (22)
Garry Winogrand, Austin, Texas, 1974 |
segunda-feira, 3 de maio de 2021
47 anos de regime democrático
No entanto, o 25 de Abril de 1974 foi uma oportunidade para o nascimento de uma direita democrática em Portugal. Em torno de Sá Carneiro e de Freitas do Amaral, emergiu uma nova e democrática direita, que trouxe para a política nacional as perspectivas ideológicas, políticas, sociais e económicas das direitas democráticas europeias. Esta substituição da velha direita apoiante da ditadura pela nova direita foi uma das mais valiosas conquistas de Abril. No plano político não foi a única, pois também, com o desenrolar dos acontecimentos e a perda de ilusões, a esquerda revolucionária tornou-se democrática e parlamentar. O 25 de Abril foi o ponto de partida para uma aprendizagem geral da vivência política da democracia. Só então, os portugueses começaram a aprender o que era viver num regime marcado pelo pluralismo e pela concorrência.
Do ponto de vista político, qual o grande desafio que hoje se coloca ao regime saído do 25 de Abril? O grande desafio é evitar a radicalização e a transformação do combate político numa guerra de seitas. Há, em parte da sociedade, uma espécie de rancor à democracia e um desejo de confrontação, de transformação da vida política numa guerra entre nós e eles. Essa parte encontrou hoje a sua representação política histriónica. De momento, é minoritária. Contudo, os efeitos devastadores da pandemia por que estamos a passar podem criar uma situação social propícia a uma radicalização de novos sectores. A melhor forma de continuarmos a comemorar o 25 de Abril é, à esquerda e à direita, evitar radicalizações, evitar o corte de pontes com o outro lado, evitar que os cantos de sereia dos inimigos da democracia se façam ouvir com os seus tambores de guerra.
[A minha crónica em A Barca, de Maio]