Francisco Bayeu y Subías, Ángel, 1775 |
segunda-feira, 30 de agosto de 2021
A Garrafa Vazia 68
sábado, 28 de agosto de 2021
Afeganistão e Thánatos
Afeganistão (2). Também deveriam corar de vergonha os que vêem uma derrota do imperialismo a saída dos americanos do Afeganistão. É tomar a nuvem por Juno. A derrota americana não é apenas a derrota americana. É uma derrota de todos aqueles que acham que política e religião devem estar separadas, de todos aqueles que defendem que as mulheres devem ter os mesmos direitos que os homens e que não as olham como seres humanos de segunda que necessitam de uma tutela masculina. É uma derrota dos que julgam que cada um deve fazer o que bem entende da sua vida, desde que isso não ponha em causa direitos de terceiros.
Thánatos (1). Esta palavra grega significa morte. Sigmund Freud utiliza-a, na teoria psicanalítica, para designar – ao lado de Éros, a pulsão para a vida – a pulsão para a morte, para a destruição. Quando se observa as imagens dos protestos em França ou nos Países Baixos, também em outros lugares, contra as medidas de combate à pandemia, percebe-se muito claramente que, por detrás das reivindicações de liberdade e da denúncia delirante de putativas conspirações, o que fala é a pulsão de morte e de destruição que habita o inconsciente humano. Quando se vêem aquelas manifestações ou quando se ouvem os negacionistas, não é Éros que fala, é Thánatos.
Thánatos (2). Catástrofes naturais sempre aconteceram, mas o que se está a passar ultrapassa o que seria a acção normal da natureza. A negação do papel humano nas alterações climáticas e a omissão ao seu combate, é ainda Thánatos, a pulsão para a morte, que se manifesta. Não se pense que essa pulsão, nas questões climáticas, é apenas dos negacionistas e dos que têm interesses económicos em que tudo continue como está. Thánatos habita cada um de nós e manifesta-se mesmo naqueles que estão conscientes do problema e do dever de combater essas alterações. Poucos, muito poucos, são os que estão dispostos a abandonar o tipo de vida que produz continuamente a degradação do clima.
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
Beatitudes (47) Serenidade de Outono
Jan Schüler, Autumn evening on the Rhine, 2019 |
terça-feira, 24 de agosto de 2021
Nocturnos 66
sexta-feira, 20 de agosto de 2021
Os talibãs no carrocel
Francisco Díaz de León, Carrousel, 1930 |
No Público de hoje, António Guerreiro explora a natureza
icónica das imagens dos talibans a ocupar o palácio presidencial, salientando
aquela em que os guerrilheiros surgem armados e dispostos à volta da secretária
de trabalho do Presidente em fuga, a sua natureza inquietante ou, para ser mais
preciso, a sua inquietante estranheza. Todas as imagens que nos chegam do
Afeganistão têm, contudo, um poder enorme de suscitar, para além dessa inquietante
estranheza, um sentimento de má consciência. Muitas delas terão sido captadas
com essa intenção, mas não seriam necessárias. Bastariam aquelas que nos chegam
e são emanações espontâneas de consciências ingénuas.
Há, contudo, um conjunto de imagens, com não menos poder icónico e capacidade explicativa, a que não se tem dado o relevo que merecem. São filmagens de combatentes talibans em Cabul, num parque de diversões, andando em carrinhos de choque e em carroceis. Homens barbudos, militarmente competentes e vencedores, ameaçadores para tudo o que se lhe opõe e às suas crenças. No entanto, eles estão ali, no momento da vitória, como crianças e jovens adolescentes. Essas imagens convocam, de imediato, por oposição, um célebre texto de Kant, O que é o Iluminismo?
Vale a pena citar o primeiro parágrafo do texto de Kant: “Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria, se a sua causa não residir na carência de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem em se servir de si mesmo, sem a guia de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do Iluminismo.”
Aqueles guerrilheiros eufóricos no parque de diversões da capital afegã, homens de coragem física e capacidade militar, no fundo não passam de menores. A sua menoridade reside na falta de coragem para se servirem do seu próprio entendimento sem a condução de outrem, de um chefe supremo, de um grande líder, ou de qualquer outra figura que dê corpo à necessidade de um mestre e senhor.
A inquietante estranheza que sente António Guerreiro perante as imagens do palácio presidencial é bem mais nítida e ameaçadora, para nós, ocidentais, nas imagens de combatentes infantilizados num parque de diversões. Porquê? Em primeiro lugar, porque também em nós, ocidentais, existe uma nostalgia da infância e da adolescência, desses tempos paradisíacos de menoridade. Em segundo lugar, porque o peso da liberdade e da responsabilidade individuais é, muitas vezes, excessivo para aquilo que podemos suportar. Em terceiro lugar, porque entre nós o desejo de retorno a um tempo de menoridade se manifesta cada vez com mais força. Foi ele que elegeu Trump e Bolsonaro, é ele que faz crescer as intenções de voto em Ventura, é ele que alimenta o apoio aos partidos populistas na Europa, é ele que levou ao poder personalidades anti-iluministas, na Polónia ou na Hungria.
A inquietante estranheza nasce porque, no fundo de nós, existe uma inclinação para obedecer ao mestre e, como meninos obedientes e bem-comportados, poderemos ir à feira, ao carrocel e aos carros-de-choque. No íntimo dos ocidentais, na sua consciência dilacerada, defrontam-se a má-consciência pelo abandono a que os afegãos – principalmente as afegãs – tocadas pelo Iluminismo foram votados e essa inclinação para a menoridade e para a servidão voluntária.
quarta-feira, 18 de agosto de 2021
A Garrafa Vazia 67
domingo, 15 de agosto de 2021
O Vice-Almirante das vacinas
Enrico Baj, sem título, 1964 |
O episódio de ontem (ver aqui) confirmou a minha intuição de há tempos. Toda a sua acção e as palavras que disse são uma lição de política. Perante os manifestantes ululantes, em vez de procurar outra porta passou pelo meio deles (em política, a virtude da coragem é muito apreciada pelos eleitores), depois afirmou que o perigo vem do negacionismo e do obscurantismo, uma afirmação clara de que se mantém na tradição Iluminista (o que não sendo particularmente apreciado por amplas camadas da nossa direita, ser-lhes-ia muito vantajoso, pois dar-lhes-ia um ar de modernidade e conquistaria votos à esquerda). Acrescentou que vivemos em democracia e que todos têm direito de emitir as suas opiniões (uma defesa da liberdade de expressão que poderia enriquecer a experiência dessa mesma direita, muitas vezes vacilante nesse item, e também com possibilidade de atrair votos de gente de esquerda) e concluiu com uma defesa da ordem, negando aos manifestantes o direito de empurrar pessoas e impedirem de elas se deslocarem (ora, a ordem é uma das coisas que direita diz gostar, embora isso tenha dias).
Estamos, assim, perante um conservador iluminista, amante da democracia. Ainda por cima tem tido a capacidade de dirigir a máquina da vacinação, levando com disciplina a bom porto a missão de que foi encarregado. Se a direita quiser voltar para o poder e dar um contributo sério para o país, o melhor é deixar-se de procurar pequenos salvadores histéricos ou rapazes e raparigas que gostam de brincar ao liberalismo, e escolher um homem, ainda por cima muito apreciado pelas senhoras de vários escalões etários, com um nome imensamente adequado a líder da direita. O ‘e’ de Gouveia e Melo faz toda a diferença. Liderada por ele, nem as artes de António Costa, nem as aberturas das outras esquerdas para o manterem no poder resistiriam. E, estou convencido, nessa altura o nosso Vice-Almirante trocaria o camuflado por fato civil e, caso necessário, haveria de andar de camisa com o colarinho desapertado. Para ele não há missões impossíveis. O que me vale é que não sou de direita e, portanto, não tenho conselhos a dar-lhe.
quinta-feira, 12 de agosto de 2021
Alterações climáticas e o pathos do apocalipse
Yoriyasu Masuda, Caos, 1994 |
Aristóteles talvez seja mais fecundo do que o psicologismo a que recorre JMT. Refere, o filósofo grego, que o hábito é uma segunda natureza. Seria esta natureza que explicaria os comportamentos que JMT atribui à psicologia humana. No entanto, o problema coloca-se a jusante do hábito, no processo da sua formação. Podemos formar hábitos viciosos ou hábitos virtuosos, o que conduzirá a um carácter vicioso ou virtuoso. O que tem isto a ver com as alterações climáticas e a resistência à mudança de comportamentos?
Durante muitos e muitos anos, o poder económico com a colaboração do poder político exerceram uma verdadeira educação dos hábitos das pessoas. Ter grande iniciativa, exceder-se e ter poder económico para consumir são pilares da educação que, de forma massiva, há mais de um século é difundida. Foram propagandeados como virtuosos. Mais, continuam a ser propagandeados como virtuosos, tanto pelos governos como pelos agentes económicos.
Os hábitos da espécie humana não são coisas que caem dos céus aos trambolhões. São o resultado de uma educação. Antes de ser uma questão psicológica, as questões comportamentais perante as alterações climáticas são políticas e sociais, devido ao peso que as ideologias políticas, os interesses económicos e as concepções sociais difundidas amplamente possuem na educação e na formação de hábitos. Em última análise, trata-se mesmo de uma questão de vontade política, de uma vontade que escolheu - e escolhe - mostrar como virtuoso aquilo que é vicioso.
Quando não se quer compreender que o egoísmo oculto na propaganda da iniciativa, o ir para lá da justa medida que se esconde na cultura do ultrapassar-se continuamente e a delapidação presente no consumo são valores negativos e os responsáveis pela situação a que se chegou, então, como acontece com o texto de JMT, resta o pathos do apelo ao apocalipse. Os seres humanos precisam de catástrofes para aprenderem. Uma apologia do dilúvio universal. Resta saber quem será o Noé da história.
terça-feira, 10 de agosto de 2021
Simulacros e simulações (27)
sexta-feira, 6 de agosto de 2021
Nocturnos 65
Nina Leen, Chinese Dancer, not dated |
quarta-feira, 4 de agosto de 2021
Volta a Portugal
Peixoto Alves (Sport Lisboa e Benfica) |
domingo, 1 de agosto de 2021
Sinais preocupantes
Num artigo com o título “Para não ter que repetir de novo «Não
passarão!»”, publicado em 2002, no Corriere della Sera, o escritor
italiano Claudio Magris escrevia o seguinte: «Há, no clima político-cultural
cada vez mais dominante, uma agressiva negação dos valores da democracia e da
Resistência que talvez nos obrigue a convertermo-nos no que esperávamos ou acreditávamos
que já não teríamos que vermo-nos obrigados a ser, quero dizer, intransigentes
antifascistas.» Não se pense que Magris é um velho comunista ou um adepto da
esquerda radical. Não é. Aquilo que ele denuncia na Itália do início deste
século está a chegar agora a Portugal.
Assiste-se a uma ofensiva contra os valores democráticos, uma desvalorização da resistência à ditadura do Estado Novo, ao mesmo tempo que se faz apologia dos tempos de Salazar e do colonialismo português. O problema da resistência aos regimes caídos em 25 de Abril (também o regime fascista italiano caiu num 25 de Abril) tem aspectos diferenciados em Portugal e Itália. Em Itália, a resistência ao fascismo era feita por organizações de esquerda e de direita. Tanto a democracia-cristã como os comunistas eram antifascistas. A legitimidade de uns e outros no novo regime era idêntica. Isso não se passou em Portugal, onde a direita esteve, com honrosas excepções, sempre alinhada com a ditadura. A direita democrática portuguesa foi uma criação pós-25 de Abril. A ausência de uma memória democrática à direita é um campo propício para a desvalorização da resistência à ditadura.
Esta ausência de memória e a desvalorização da resistência à ditadura começam a ter impacto na defesa da própria democracia. A democracia portuguesa é um regime plenamente integrado nas democracias ocidentais. Funciona segundo as regras do Estado de direito e as suas imperfeições resultam de ser um regime feito por seres humanos, não sendo muito diferentes das imperfeições das outras democracias ocidentais. É esta democracia – o regime mais livre alguma vez existente em Portugal – que a direita radical pretende subverter, tentando destruir a representatividade, o carácter liberal do regime e, como acontece em alguns países europeus, o próprio Estado de direito. O perigo para Portugal é intensificado pela ausência de uma memória de resistência à ditadura dentro da direita democrática, que lhe permitisse opor-se aos avanços e cantos de sereia da nova direita radical. Os sinais existentes são preocupantes, parecendo anunciar a necessidade de se voltar a ser, adoptando as palavras de Claudio Magris, um intransigente antifascista, o que significa ser um intransigente defensor da democracia liberal.