Não vale a pena comentar o caos em que as decisões de Marcelo Rebelo de Sousa lançaram o país. Também não vale a pena salientar que o nosso sistema semipresidencial é um problema, devido aos poderes arbitrários dos Presidentes da República. Vale a pena, porém, olhar para o país e para aquilo que estas eleições mostram. Em primeiro lugar, o tradicional centro político (CDS, PSD e PS), embora maioritário no país, já não chega aos 60%. Em 2022, os três partidos somados ultrapassavam ligeiramente os 70%. Uma radicalização que atingiu duramente os resultados do PS, mas que também paralisou o par CDS e PSD, que, como AD, têm mais ou menos a mesma percentagem de votos que em 2022. A rasura do centro é um preocupante sinal de degradação da vida democrática.
A paisagem política mudou radicalmente com os 18% do Chega. O seu crescimento exponencial é outro dado da radicalização do país. Não apenas por ser um partido populista, mas pelo facto de conseguir atrair o eleitorado não tendo qualquer consistência discursiva ou de atitude. Se compararmos o Chega com o Vox espanhol, percebemos de imediato uma diferença significativa. O partido espanhol é altamente estruturado, tanto do ponto de vista ideológico como do comportamento das suas lideranças. O partido português chega a uma votação significativa apenas fundado nas diatribes de André Ventura, no comportamento desrespeitoso perante os adversários políticos, as instituições democráticas da República e os grandes valores do 25 de Abril. Na prática, os eleitores não fazem ideia de quais são as políticas substantivas do Chega. Mesmo assim votam nele, como se houvesse um desejo de destruição, a começar na destruição do PSD – um dos objectivos de Ventura – e a seguir da democracia tal como a entendemos.
Outro sinal da radicalização da nossa
sociedade é a erosão do Partido Comunista. É preciso compreender o papel
central que este partido tem tido no equilíbrio do sistema político. Não tanto
no jogo parlamentar, embora também aí tenha tido papel de relevo, mas no jogo
social, onde o papel do PCP nos sindicatos tem sido central para evitar
contestações anárquicas do regime e tem servido de escape aos sentimentos
negativos que podem atingir parte da população. Neste momento, existem já
movimentos de contestação inorgânicos, que não obedecem a qualquer
racionalidade política, os quais são uma ameaça para a saúde da democracia. A
erosão parlamentar do PCP e a do movimento sindical, que dificilmente será
travada, é um outro sintoma de degradação da paisagem política no momento em
que a transição à democracia faz 50 anos.
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