quinta-feira, 7 de março de 2024

Cadernos do esquecimento 53 Duplicar a vida

Paul Signac, Women at Well, 1892

Dever-se-ia anotar toda a vida, fazer o registo minucioso do que se foi vendo e ouvindo, dos grandes acontecimentos e das trivialidades de cada dia, dos actos e das omissões. Fundamentalmente, das palavras que se foram trocando, as ditas e as escutadas. Ter-se-ia, então, duas vidas, a vida vivida no mundo da vida e a vida escrita. Uma seria turbulenta; outra, serena com a serenidade que a escrita traz ao espírito que luta contra o esquecimento. Que sei eu das mulheres que, na infância longínqua, dirigiram-se, com os seus cântaros de barro avermelhado, ao poço, onde uma roldana cantava, enquanto a corda subia e descia? Apagaram-se, não sei o seu nome, nem quem foram. Puras sombras raptadas para dentro de um caderno de folhas em branco, onde se acumula os vestígios de tudo o que foi tomado pelas hordas do esquecimento.

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