A minha crónica em A Barca.
Volto ao futebol. Em A Barca de Agosto do ano passado, escrevi sobre o tribalismo que se apossou
desse jogo e como a vida tribalizada é necessária para os negócios, a começar
pelos da comunicação social. Os acontecimentos nas instalações de um dos
maiores clubes portugueses, com a sua invasão por um exército de adeptos e o
espancamento subsequente de jogadores e treinadores, manifestam a escalada
desse tribalismo para níveis inusitados. O que se passou na Academia
sportinguista de Alcochete não foi um mero acto arruaceiro ou uma simples acção
criminosa. Há algo muito mais grave do que as cenas de espancamento.
Para perceber a gravidade da situação é necessário tentar
olhar para o que desencadeou os acontecimentos. Na origem do ocorrido está, na
verdade, um conflito laboral. Uma parte – mesmo que ínfima – dos adeptos, isto
é, de alguém que se sente como fazendo parte da entidade patronal, não está
contente com o desempenho profissional dos empregados do clube e toma a decisão
de agir. O que significa isto? Significa que uma função essencial do Estado – a
da justiça – foi tomada de assalto não se sabe bem por quem. Secretamente, um
conjunto de indivíduos instituiu um processo informal a esses funcionários,
julgou-os, proferiu uma sentença e executou-a ou fê-la executar.
A acusação de terrorismo imputada aos adeptos presos parece
deslocada, mas a usurpação de funções soberanas do Estado é clara. Assistimos a
uma das tribos do futebol a constituir-se efectivamente como um Estado dentro
do Estado, a agir segundo uma lei privada e dentro de instituições alternativas
ao Estado. O que se viu não foi um mero exercício de violência mas a
manifestação indisfarçável da fragilidade das nossas instituições políticas.
Não foi o Sporting que saiu mal na fotografia, não foi o futebol nacional que
foi vilipendiado. Tudo isso é irrelevante.
Relevante é o facto do país ter sido humilhado ao tornar-se
patente que as suas instituições são desafiadas por instituições secretas de
natureza tribal, com os seus códigos do trabalho e penal, cerimónias
processuais e procedimentos de execução de penas. Um Estado dentro do Estado. O
mais preocupante é a complacência instalada. Instalada na comunicação social.
Instalada nas elites políticas. Estas assobiam para o lado como se o que
aconteceu tivesse sido uma escaramuça entre adeptos exaltados. Não foi. Foi um
desafio deliberado à soberania nacional e ao ordenamento jurídico que determina
que o Estado possui os monopólios da justiça e da violência legítima.
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