A minha crónica em A Barca.
Há uns anos descobri que para um professor do ensino não
superior todos os problemas da educação possuem uma data inexorável de
resolução. O dia da aposentação. Aquilo que parece irresolúvel torna-se
resolúvel. Voltar as costas à escola e esquecer que ela existe. Este cinismo
não nasceu do acaso, nem se deve à índole malévola de quem tem por missão
ensinar os outros. Como muito dos cinismos, nasce de uma impotência perante a
realidade. E que realidade é essa? Ela é multifacetada, mas há duas
características que interferem de sobremaneira na relação dos professores com a
escola.
Por um lado, existe na sociedade portuguesa uma cultura
inimiga da aprendizagem e daquilo que esta exige. Aprender exige atenção,
dedicação, esforço e superação de obstáculos. Aprender exige que se seja capaz
de sacrificar os prazeres e desejos imediatos a um prazer maior que nascerá do
esforço e da auto-superação. Este tipo de atitude, contudo, é rara na sociedade
portuguesa e a maioria dos alunos, quando chega às escolas, já vem vacinada
contra o esforço. Esta cultura ferozmente inimiga da aprendizagem é uma
realidade que qualquer professor conhece, mas é completamente desconhecida pelo
Ministério da Educação.
Aqui surge uma segunda característica que distorce a relação
do professorado português com a escola. Os governantes educativos vivem em completa
e contínua negação da realidade. Para eles não existe qualquer cultura adversa
à aprendizagem em Portugal. Se os alunos não aprendem, o problema não está na cultura
que trazem consigo, mas nas estratégias de ensino que são adoptadas. Então, os
governos entregam-se à prática delirante de promover reformas sobre reformas
educativas (há mais uma em curso) com o desígnio de obrigar os professores a
usar as estratégias que farão o milagre de multiplicar a sabedoria dos alunos,
como Cristo, em Betsaida, multiplicou pães e peixes.
O problema é que ninguém sabe, a começar pelos governantes
reformadores, que estratégias são essas que hão-de dar de comer a quem não tem
fome. Como as ideias delirantes dos governantes são inaplicáveis, pois negam a
realidade existente, aqueles criam nas escolas um inferno com a finalidade de
obrigar os professores a justificar por que razão ideias tão brilhantes não têm
qualquer efeito na realidade. Isto tornou as escolas universos kafkianos,
cheias de regras e práticas burocráticas, problemas imaginários e soluções
absurdas. Durante anos, impotentes, os professores tentam perceber o porquê de
tudo isto, até que um dia descobrem que tudo se resolverá quando chegar o dia
da aposentação.
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