Fotografia daqui. |
A questão do não chumbo no ensino básico que tanto atormenta
certos sectores políticos é apenas um pormenor sem qualquer importância. Tive
de dar uma especial atenção aos célebres decretos-lei 54/2018 e 55/2018. Não
são alterações legislativas triviais e se levadas a sério não são acomodáveis às tradicionais práticas escolares e às crenças do professorado. Propõem uma revolução na escola
portuguesa, não uma simples reforma ou melhoria, mas um virar o ensino não superior de pernas para o ar.
Quanto mais se medita naqueles decretos mais cresce a
sensação de desconforto. Há neles qualquer coisa de profundamente tenebroso. Há a
ideia de que os alunos são uma matéria plástica altamente moldável. Bastaria
uma mudança da forma de trabalhar do professor, agora um diferenciador
pedagógico atento ao estilo de aprendizagem de cada um, para que os alunos
renitentes à aprendizagem se convertessem às delícias do saber.
Isto não é verdade. Os alunos não são uma matéria plástica
moldável ilimitadamente. Como os próprios professores também não o são. Como se
pode fazer uma revolução (que vai desde a reconceptualização do espaço e do tempo
da aprendizagem até à gestão do currículo e da avaliação) fundado numa crença
falsa sobre a natureza dos alunos e contra as crenças pedagógicas de grande
parte do professorado? Só através de processos autoritários. Os decretos
referidos são um exemplo do mais refinado voluntarismo, o qual faz tábua-rasa
da realidade das escolas e dos seus actores.
Uma tentativa idêntica a esta – no tempo de Roberto Carneiro
e de Cavaco Silva – falhou estrondosamente, apesar de ter havido um grande
incentivo ao professorado, através de valorização da carreira. Onde é que
chocou? Na realidade. Foi um choque entre as crenças pedagógicas dos professores, a
realidade dos alunos e o voluntarismo maximalista dos governantes. Se tivessem
tentado apenas reformar o primeiro ciclo, de forma consistente e com tempo,
ter-se-ia avançado alguma coisa. Depois, viria o segundo ciclo e assim
sucessivamente. Talvez as coisas fossem hoje muito diferentes.
Os mesmos erros cometidos naquela altura foram repetidos no
tempo de Marçal Grilo e de António Guterres. Também Lurdes Rodrigues e José Sócrates ensaiaram a sua revolução educativa, deixando o campo pejado de cadáveres, os professores proletarizados e furiosos, e tudo pior. Chegámos a António Costa e a João Costa (o autêntico ministro da Educação), também eles se acham revolucionários educativos. Quarenta anos de erros e não se
aprendeu nada. Todos querem fazer a sua revolução. Todos se acham salvadores. Todos
vêem a autoridade do Estado como um poder revolucionário e violento que dobra
os actores. Todos querem tudo ao mesmo tempo. A vida não é assim. O não haver
chumbos no básico – coisa que já quase não existia – é uma irrelevância. Em
Portugal tem-se sempre a inclinação para discutir com grande alarido o acessório e deixar o
essencial de lado.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.