Vivemos num país cordato e seguro, onde a violência é
diminuta e o respeito pelos outros é significativo. Somos, ao mesmo tempo,
medianamente ricos e medianamente pobres e, ao longo destes anos de democracia,
temos sabido resolver os problemas com que nos deparámos. A nossa economia não
é das mais brilhantes, mas também não é das piores. Não existem problemas com a
presença de grandes comunidades estranhas à nossa cultura de base nem, tão
pouco, nenhum perigo perceptível ameaça a independência e a liberdade da nação.
Todos estes dados seriam suficientes para que nos fosse completamente estranho
o discurso de rancor que existe nas redes sociais, que se propaga a grande
velocidade, fazendo multiplicar as metástases da doença por todo o corpo
social.
Esse rancor encontrou agora uma voz na Assembleia da
República, voz que ameaça multiplicar-se. Pessoas que até aqui tinham mostrado
posições políticas cordatas e razoáveis, onde imperava a tolerância com a
diferença, estão a radicalizar-se, fazendo coro com os exploradores do
ressentimento. Neste momento, a radicalização e o rancor vêm claramente da
direita. Noutros tempos vieram da esquerda, embora nunca tivessem encontrado,
nessa altura, a complacência social que existe neste momento para este tipo de
discurso de ódio. Frequentar as redes sociais é uma lição sobre a erosão que a
ideia de tolerância está a sofrer no nosso país. Esta radicalização social à
direita – não nos partidos tradicionais da direita democrática, embora estes
estejam já ameaçados por este clima – irá gerar, mais tarde ou mais cedo,
idêntica radicalização social à esquerda.
Uma parte do país, ainda pequena mas em crescimento, parece
apostada em criar um clima de ódio tal que poderá vir a pôr em perigo as
instituições democráticas. O desejo de aniquilar o outro não é uma coisa que se
diga apenas em surdina num grupo de amigos. Esse desejo é expresso todos os
dias nas redes sociais, onde se multiplica como as células cancerosas no corpo
de um paciente. Sabemos que entre fazer um comentário no facebook e passar à acção vai uma longa distância. No entanto, a
banalização do discurso do ódio e do rancor social está a criar o clima que
legitimará a acção violenta e, acima de tudo, a rejeição das instituições da
democracia liberal. Muitas destas pessoas pretendem, a partir do discurso do
rancor, abrir o caminho para tempos de cólera. Há gente que sonha com a
violência como medida purificadora sabe-se lá de que pecados. Veremos se os
nossos brandos costumes são suficientes para travar a raiva que parece haver
por aí.
[A minha crónica no Jornal Torrejano]
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