Victor Vasarely, Serigraphie Originale. Avec une Etude de Imre Pan, 1960 |
A esquina do prédio assinala o cruzamento de duas ruas, daquelas que
se encontram nas grandes cidades mas ao serem olhadas com demora lembram as das
pequenas vilas de província, se não mesmo de algumas aldeias mais populosas,
memórias que vêm agarradas aos corpos e às vidas que para ali foram
transplantados. Nas paredes há cartazes anunciando toda a espécie de
espectáculos. Teatro, circo, um combate de boxe, até uma representação da Manon Lescault. São assim as grandes cidades,
onde em espaço tão próximo convivem espécies que ninguém se lembraria de sentar
à mesma mesa. Voltada para a rua principal, existe uma farmácia, com a sua
porta metálica e uma montra com produtos de beleza. Entram e saem pessoas com
ar sofrido, silenciosas, pois a doença, sua ou de alguém próximo, precipita-as
para um irremediável desconsolo, mesmo que o mal não seja mais que uma leve
constipação, que o ponderado conselho do farmacêutico ajudará a debelar com
brevidade. O trânsito passa indiferente e lento, lançando baforadas de fumo que
se elevam, deixando um odor rançoso no ar. No passeio, exactamente na esquina
do prédio, um homem especado espera. Tudo nele é anacrónico. O chapéu de abas bege
com fita negra, o fato com colete, a gravata com um padrão que se terá usado há
um século. A mão esquerda repousa no bolso das calças, enquanto a direita
segura um cigarro, levando-o à boca para aspirar o fumo, que logo expele pelas
narinas. Forma-se então uma pequena nuvem azulada pela luz. O homem olha fixamente
para o fim da rua, indiferente aos clientes que entram e saem da farmácia. Quem
ele espera, por certo, não precisará de medicamentos nem de conselhos sobre o
estado de saúde. Por vezes, nota-se-lhe na face um rito de desapontamento, mas
logo desaparece sob uma sombra de irritação, que acaba disfarçada por um
sorriso paciente e uma bonomia jocosa. Parece saber que a espera será infrutífera,
embora não possa deixar de se lhe entregar. Nunca é tentado a ver as horas no
relógio de corrente adormecido num bolso do colete, como se a sua expectativa
não fosse marcada pelo ritmo dos minutos e das horas, demasiado exíguo para assinalar
o tempo que terá de aguardar. Quando o cigarro acaba, atira-o com indiferença
para o chão, pisa-o com desdém e acende um novo com um fósforo retirado de uma
pequena caixa de cartão. O olhar não se desprende do fim da rua, o corpo está
grudado ao passeio. Da farmácia sai uma bela mulher, passa por ele, olha-o surpreendida
e continua. Os olhos dele nem se movem presos à esperança daquilo que há-de vir
do fim da rua e crescer para dentro do seu olhar nunca cansado de esperar.
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