Tirésias é um famoso profeta e adivinho de Tebas. Famoso pelas suas intervenções junto de Ulisses, na Odisseia, ou pelo seu papel de agente de revelação na tragédia de Sófocles, Édipo Tirano. Tinha a particularidade de ser cego. Como em quase tudo, as fontes do mito de Tirésias não coincidem. Umas indicam que ficou cego porque viu Palas Atena a banhar-se numa fonte. O sentido desta versão é claro: Os homens não suportam ver a divindade tal como ela é, daí a cegueira ter atingido Tirésias. Outras fontes indicam uma história um pouco mais complexa. Tendo sido chamado a arbitrar uma disputa entre Zeus e a sua mulher, Hera, (disputavam sobre quem teria mais prazer no amor sexual, defendendo cada um dos deuses que era o outro o que extraía mais prazer do amor) Tirésias - que tinha sido mulher durante sete anos e possuía uma perspectiva que abarcava os dois pontos de vista - disse que se dividisse o prazer dado pelo amor erótico em dez partes, nove caberiam à mulher e uma ao homem. Hera, derrotada, cegou-o. Zeus, compungido, deu-lhe a capacidade de previsão.
Prever significa, literalmente, ver antes, invadir o território do futuro, tornar próximo o distante. O núcleo central do mito de Tirésias reside na tensão entre a cegueira para o presente, para aquilo que se dá na sua presença imediata, e a capacidade de ver para além do que está presente. A condição para que se preveja o futuro é o corte com o fascínio que o presente exerce sobre a consciência. Édipo, atormentado com o que vem do passado, foge e, em Tebas, embrenha-se no presente. O presente, no seu esplendor, fascina-o. Preso nesse fascínio, como todos nós, Édipo é impotente para prever o futuro. Pagou, quando o futuro se tornou presente, duramente o fascínio da presença.
É o que acontece a todos nós. Neste nós inclui-se aqueles que dirigem os destinos de uma comunidade. É preciso não esquecer que Édipo era o tirano (ou rei, conforme as traduções) de Tebas. Na acção governativa, os políticos têm os olhos bem abertos para o que é presente (dão-lhe o nome de problemas). Mas esse estar de olhos abertos significa estar fascinado com o que se manifesta, significa estar cego para aquilo que o anjo da história prepara no além. As tragédias de Édipo ou de Agámemnon seriam evitadas se eles fossem cegos para o presente e penetrassem, como Tirésias, no território do futuro. Mas não era essa a sua condição. Também, hoje em dia, os governantes, de olhos tão abertos para o presente, não pressentem a tragédia que o futuro tem para trazer. Antes fossem cegos.
Veja, as lendas querem dizer algo. Ficando cego por ter visto um deus ou por ter sabido demais - o fato é que em ambos os casos ele experenciou de modo pleno o presente - não sendo cego pra este é que então ele se tornou cego pra este. A profetização, a sabedoria sobre o tempo, os atos e suas consequencias não vem de se ser cego para o presente, vem dele, mais que os demais, ter visto muito (seja em intensidade, como no caso da nudez divina) seja em diversidade (como no caso de estar em dois corpos distintos). Tanto que depois disso pode ver mais longe - o futuro como o passado (ele não sabe só como vai acabar Édipo, ele sabe como começou). A sabedoria estar em juntar os tempos, em sacar a lógica da coisa.
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