A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
A entrevista dada, ao Público
de sábado passado, pelo politólogo italiano Franco Cazzola tem múltiplos
motivos de interesse, nomeadamente a questão da morte da esquerda. Segundo
Cazzola, a esquerda terá morrido, porque a sua linguagem morreu. No entanto,
esta proposição, já de si bastante ousada, assenta numa outra constatação do
autor. No livro O que Resta da Esquerda,
é referido que aquilo que destruiu a esquerda foi a transferência do poder da
política para o mercado. O verdadeiro centro de poder reside agora na esfera da
economia.
A questão central não se encontra, assim, na morte da esquerda, mas no
fim da própria política, tal como a entendemos desde a cidade-estado da Grécia
antiga. Para perceber o efectivo alcance daquilo a que estamos a assistir,
precisamos de compreender o significado da esquerda na vida política. Ela
representou sempre – independentemente das suas práticas reais – a
secularização da esperança. A esquerda é a resposta à transferência da crença no
paraíso celeste para o terrestre, transferência que é operada pela política.
Ela representou para milhões de pessoas um princípio de esperança, a expectativa
de uma vida menos dolorosa e mais decente.
A secularização da esperança foi concomitante com a perda de
influência do Cristianismo. De certa maneira, a esquerda sempre teve – mesmo e
principalmente quando se se dizia ateia – uma dimensão religiosa, a qual
supriu, na imensa massa dos trabalhadores, as necessidades de fé. O que o
neoliberalismo está a fazer não é apenas a destruir a política. Está a destruir
aquilo que constituía o núcleo central das crenças de muitos milhões de pessoas,
sem ter nada para lhes dar, a não ser a vaga expectativa de um emprego precário
e mal pago.
A consequência disto está longe de estar sopesada. O primeiro momento
vai ser o desespero. Mas, como a política está morta, esse desespero vai
procurar abrigo naquilo que, durante toda a história da humanidade, foi o
abrigo dos desesperados, a religiosidade. E está longe de ser claro que a
religião a vir seja ainda uma forma de Cristianismo. Seja o que for, a religião
a vir não pactuará nem com a autonomia do mercado nem com a independência do
poder secular face ao religioso. O desespero inflamado pela fé religiosa não se
entrega a esses luxos. O neoliberalismo está a preparar a morte das sociedades
liberais à mão do impulso mais ancestral que constitui o homem, a fé religiosa.
As primaveras árabes são uma lição. Os europeus não são árabes? Não, não são.
Mas em breve viverão tão mal quanto os árabes.
Bem, para começar, este artigo deveria estar a ser vivamente comentado por muita, muita gente. Espero que o facto de ter sido publicado também no Jornal Torrejano ajude a que muitos o leiam e o comentem. Vivemos pois, o tal fim da História, preconizado por muitos até Fukuyama? Talvez. A religião poderá voltar a ser a única esperança em paraísos perdidos para o Homem? Talvez. A imagem da Senhora no andor é a mesma de há milhares de anos, a da deusa Ísis transportada em ombros de templo para templo no antigo Egipto. Era a deusa dos pescadores, dos artesãos, a protectora e esperança dos humildes. A imagem é a mesma, a ideia semelhante, a Virgem Maria e Ísis, metamorfose. Claro que sim, o Homem precisará sempre da religação aos Céus. Gostaria, contudo, de acreditar que é possível ainda, e sempre, um pensamento e uma atitude políticos e que a grande vaga da esquerda, com tudo o que de melhor trouxe ao Homem, com toda a esperança, toda a matriz de luta por um mundo humano, por um paraíso terreal, continue chama viva, apesar de quase cinzas agora, e que a Fénix renascerá. Como sempre faz, aliás.
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