sábado, 4 de fevereiro de 2012

Um culto, uma ruína e a miséria


Não quero falar do tempo e das metamorfoses que ele arrasta no espaço. A Igreja de Santa Maria já desapareceu e o velho Teatro Virgínia (quase no canto superior direito) também entregou há muito a alma ao criador. Mas de uma outra coisa, que é para mim uma absoluta novidade (sou um péssimo torrejano). O culto à Expectação do Parto (ou de Nossa Senhora do Ó) ter-se-ia iniciado em Portugal na Capela Mor da Igreja Matriz de Santa Maria do Castelo, em Torres Novas. Aqui uma antiga imagem de Nossa Senhora grávida era objecto de adoração. A imagem e o culto remontam à fundação da nacionalidade. No tempo de Afonso Henriques era conhecida como Nossa Senhora de Almonda, no de Sancho I como Nossa Senhora da Alcáçova e a partir de 1212 como Nossa Senhora do Ó. Foi nesta altura que a Igreja foi edificada ou talvez reedificada.

Estas informações colhi-as na Internet e valem o que valem. Sendo verdade histórica ou lenda, a verdade é que a antiguidade da Igreja, da Imagem da Senhora do Ó e a própria narrativa não foram suficientes para obstar à incúria dos homens. E aqui revela-se Portugal em todo o seu espírito. A Igreja quando foi demolida, nos anos setenta do século XX, segundo consta, não era já recuperável. Mas como foi possível que tão importante monumento local se fosse degradando sem que o cuidado dos homens interviesse para obstar à acção do tempo? Essa desatenção ao passado é uma marca nacional. E não se pode assacar culpas à eterna miséria dos portugueses. O concelho de Torres Novas, na época em que a Igreja de Santa Maria se foi degradando até ser demolida, era um concelho rico, tanto pelas suas indústrias como pela  sua agricultura. Foi a miséria, mas não a económica. Foi outra miséria, bem mais dolorosa e difícil de erradicar, aquela que não sabe respeitar o outro, mesmo que esse outro venha sob a forma de uma herança do passado.

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