A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Fez ontem 25 anos que morreu José Afonso. Vale ainda a pena reflectir sobre
a música do mais importante cantor português de intervenção. Divido a reflexão
em duas partes. Uma relativa aos aspectos menos interventivos da sua obra.
Outra focada na música de intervenção.
São as canções de José Afonso menos comprometidas com a intervenção
política que mais me interessam e agradam. No entanto, seríamos ingénuos se
olhássemos para esse cancioneiro
desprovido de qualquer valor político. Pelo contrário, ele remete para a
recuperação da música popular portuguesa, fornece um fio de ligação à nossa
identidade, recriando-a e reinventando-a. Há, no século XX, três figuras
essenciais da nossa música popular. Amália Rodrigues, José Afonso e Carlos
Paredes. Neles, podemos escutarmo-nos enquanto povo, enquanto comunidade de
destino. Nesta área, José Afonso, como Amália e Paredes, é absolutamente
extraordinário. A generalidade dos álbuns feitos antes do 25 de Abril remetem
para a raiz mais funda da nossa cultura. São um exercício puro de patriotismo.
A parte que menos gosto na obra de José Afonso é a de intervenção.
Aparentemente é datada. No entanto, se ouvirmos canções como “Coro dos
Tribunais”, “Vampiros” ou “Como se Faz um Canalha” percebemos que há ali
qualquer coisa de universal. Chacais, vampiros e canalhas são produzidos
continuamente e a grande velocidade, na generalidade das situações sociais. Não
tenho qualquer ilusão sobre um regime político em que a esquerda governasse sem
oposição de direita e no qual a economia de mercado fosse destruída. Não
faltariam aí, como não falta na vida político-social de hoje, chacais, vampiros
e canalhas. Por isso, não partilho da utopia política de José Afonso. Mas a
pureza que ele pôs no seu canto e na forma como se entregou à política são
importantes fontes de inspiração para a mobilização popular contra o
radicalismo e fanatismo dos actuais senhores do mundo.
A vida social, de forma crua, não é mais que o confronto entre forças
opostas. O importante seria que as elites políticas tentassem gerar equilíbrios
sociais, contribuindo para a paz pública e a coesão das comunidades. Sabemos
que, desde a vitória do eixo Thatcher-Reagan, os políticos ocidentais defendem
apenas uma parte da sociedade, a mais pequena e a mais poderosa, em detrimento
da imensa maioria. Ora é importante que esta imensa maioria se faça ouvir para
obrigar a novos reequilíbrios. A música de José Afonso, desse ponto de vista,
continua a ser profundamente inspiradora.
uma faceta menos conhecida é a de poeta, refiro-me aos seus poemas não destinados a ser cantados, diferenciados das letras das canções.
ResponderEliminaré sem duvida um bom poeta e original, por vezes satirico ou de humor, outras vezes lirico.
o integral dos seus poemas e letras está aliás publicado em livro
Tem toda a razão em lembrar essa faceta de poeta do José Afonso. De facto, eu não a referi no artigo porque não a conheço muito bem. Mesmo alguns textos cantados são bastante bons, poeticamente falando. Obrigado pela referência.
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