quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sejamos gregos


Volto à questão grega, à importância civilizacional que a Grécia representa para nós, europeus. Os gregos sempre foram um povo impetuoso e tumultuoso, um povo, como compreendeu Nietzsche, com uma forte raiz dionisíaca. Mas a pulsão dionisíaca era de tal maneira grande que gerou, como por necessidade de um secreto equilíbrio, um não menos forte impulso apolíneo. Esse impulso manifesta-se em múltiplos lados, mas quero apenas referir um, os conselhos prudenciais daquilo a que se convencionou chamar os Sete Sábios. Corriam por toda a Grécia listas de sentenças e provérbios atribuídos a sete grandes sábios. As fontes não coincidem, pois existem várias listas diferentes. O mais famoso desses conselhos de prudência é o "conhece-te a ti mesmo", atribuído a Tales de Mileto.

Dessas sentenças famosas, sublinho as seguintes: "nada em excesso" (Sólon de Atenas), "a medida é coisa óptima" (Cléobulo de Lindos), "a maioria é perversa" (Bias de Priene), "se és chefe, aprende a dominar-te" (Tales de Mileto) e "a democracia é preferível à tirania" (Míson de Queneia). Todas estas máximas revelam um espírito prudente, de natureza apolínea, e são o negativo das intensas paixões gregas. Ao longo dos anos, tornaram-se no resumo do meu ideal político. Se há uma coisa que devemos evitar é que o dionisíaco, o furor excessivo da multidão, se aposse da vida política. As revoluções políticas - cujo arquétipo é a revolução francesa - são exemplos da captura das massas revoltosas pela possessão dionisíaca. A sabedoria política, a sabedoria daqueles que vivem em comunidade, visa evitar que as posições se extremem e o excesso tome conta dos corações dos homens e as paixões e interesses nos conduzam para a dança macabra das revoluções. 

O importante é que as sociedades encontrem equilíbrios. A ideia do equilíbrio expressa-se na moral dos gregos na noção da "justa medida". Encontrar a "justa medida" é evitar o excesso, como recomendava o célebre Sólon. Isto significa encontrar a medida da distribuição de retribuições e encargos, de reconhecimento social, etc. Uma sociedade equilibrada é aquela que está organizada de forma a que cada um tenha acesso à sua medida, ligada ao seu mérito e contributo, avaliados de forma equilibrada, evitando os excessos e os defeitos. Uma sociedade organizada segundo esta prudência helénica será menos injusta e menos conflitual. Os seus membros sentirão a pertença à comunidade e estarão predispostas a bater-se por ela, a defendê-la e a amá-la.

Este é o núcleo central que ajudou a construir a ideia de uma união dos povos europeus, num tempo em que os políticos tinham feito a terrível experiência do furor dionisíaco da guerra mundial. Quando a própria União Europeia cai nas mãos de radicais, de gente sem saber nem memória, de políticos cuja finalidade é destruir os equilíbrios e impor uma medida em que alguns recebem por excesso e a maioria por defeito, percebemos melhor a importância do legado apolíneo dos gregos. Se for ainda possível - coisa de que tenho sérias dúvidas - tornar a dar sentido à política, é ainda o ideal grego do nada em excesso, da justa medida que deve guiar esse renascimento da política.  Como teria percebido Míson, a democracia é preferível à tirania, mas a democracia só tem sentido, e só pode penetrar no coração dos homens, se ela se regular pelo ideal da justa medida, se os seus chefes - isto é, a elite política - souber dominar-se.

O governo do dr. Passos Coelho, na infinita ignorância e menoridade que são as suas, anda ufano a tentar mostrar que não é grego. Por mim, continuo grego, e pressinto que a Europa está a beira de uma terrível explosão dionisíaca, no âmbito político, se não se tornar toda ela grega. A última explosão dionisíaca ocorrida na política europeia começou em 1939 e terminou em 1945. Foi um Carnaval macabro.

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