A minha crónica desta semana no Jornal Torrejano.
Na situação europeia e nos problemas da dívida soberana raramente
percebemos mais que a superfície dos acontecimentos. Alguns países não
conseguiram conter as suas despesas e fizeram disparar os défices públicos.
Estamos perante um conflito económico, onde, e não por acaso, os juízos morais
(gastadores, preguiçosos, etc.) são mobilizados para fins políticos, numa acção
punitiva contra os países em dificuldades.
Se desviarmos o olhar do mundo europeu para o médio-oriente
descobrimos, espantados, que sunitas e xiitas estão em conflito aberto desde o
século VII. Uma guerra religiosa que não
abranda há quase catorze séculos. Perante este facto, muitos de nós darão
graças pelo nosso grau civilizacional, pois os conflitos religiosos que
atingiram a Europa nos séculos XVI e XVII estão sanados. Católicos e protestantes
convivem pacificamente, guardados pelo culto da sagrada tolerância.
Se olharmos os países da Europa que estão em situação difícil
descobrimos uma estranha divisão. Por um lado, a Grécia (ortodoxa), Portugal,
Irlanda, Espanha, Itália e Bélgica. Por vezes, sussurram-se os nomes da Áustria
e de França. Todos estes países têm em comum o serem católicos. As vozes mais
críticas pertencem, por outro, a países protestantes. A visão idílica da
tolerância confessional, fundada na separação da Igreja e do Estado, de
repente, mostra a sua ingenuidade.
O que se está a passar na Europa é uma guerra religiosa por outros
meios. O conflito entre o cristianismo tradicional (católico e ortodoxo) e o
puritanismo subjectivista protestante nunca deixou de existir. Tomou sempre
novas roupagens. A actual é a de um conflito económico com consequências
políticas, mas o que está em jogo são duas visões do mundo, da vida e da
própria religião cristã.
Só isto explica duas coisas. Primeiro, a crítica moral do
comportamento dos países em dificuldades, crítica essa que não passa de
ostentação da superioridade moral do puritanismo protestante. Segundo, o
fanatismo protestante expressa-se na imposição política do ordo-liberalismo
alemão. Na actual política alemã, existe um espírito de missão evangélica que
pretende converter à força os países onde ainda se faz sentir a influência da
tradição, seja esta ortodoxa ou, ainda pior, papista. O que está em jogo não é
apenas o dinheiro, mas as formas de vida dos povos. Este conflito a que se
assiste na Europa tem profundas raízes na história. Data pelo menos do séc.
XVI. Não somos melhores que os muçulmanos.
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