sábado, 23 de abril de 2022

Guerra na Ucrânia, Le Pen e nacionalismo


1. O primeiro derrotado da guerra na Ucrânia. Um dos postulados centrais do pensamento liberal é a crença de que a conexão comercial entre as nações as torna menos propensas à guerra. Foi por isso que parte substancial da União Europeia, com a Alemanha à cabeça, se tornou dependente da energia russa. Também o dinheiro dos oligarcas russos foi aceite com deferência pelos países europeus. Havia a convicção de que uma cada vez maior interconexão económica entre a União Europeia e a Rússia tornaria esta uma potência comercial pacífica. Essa crença mostrou-se falsa e perigosa. O que move os governos não é apenas o comércio, como os europeus estão a aprender desde 24 de Fevereiro. O postulado liberal da expansão comercial como factor de paz é o primeiro derrotado da guerra na Ucrânia.

2. A senhora Le Pen e o Estado de direito. Na última crónica escrevemos que quando os populistas chegam ao poder, o primeiro alvo é o Estado de direito. Como é que isso se aplicará em França, caso a senhora Le Pen ganhe as eleições de domingo? Segundo Jorge Almeida Fernandes, numa newsletter do Público, a “mola central do seu modelo institucional é o recurso maciço ao referendo como meio de contornar o parlamento. Quer generalizar o “referendo de iniciativa cidadã” sobre todos os assuntos para, entre outras coisas, anular leis aprovadas no parlamento”. O referendo é a estratégia central que os populismos utilizam para destruir o Estado de direito, desarticular a democracia representativa e instaurar paulatinamente uma governação autoritária. O referendo é o instituto que mais se presta a tomadas de decisão fundadas em emoções, onde a racionalidade das escolhas é substituída pelo fervor que os hooligans políticos ateiam na comunidade.

3. Nacionalismo. A invasão russa e a força da senhora Le Pen em França são sintomas de uma das doenças que contamina o mundo. O nacionalismo. Ela tinha-se manifestado na eleição de Donald Trump e no Brexit, mas existia já, de modo ostensivo, na Índia e na China, assim como na Rússia ou na Turquia. Há décadas que a doença se manifesta em muitos países da União Europeia. Depois da Guerra Fria, com a globalização, estabeleceu-se um novo confronto que opõe cosmopolitas, defensores de um mundo aberto, e nacionalistas, amigos das fronteiras e do etnocentrismo. Durante anos, falou-se no fim do Estado-Nação. A verdade é que ele parece mais forte, arrastando consigo um nacionalismo perigoso. Em caso de implosão da União Europeia, a própria Europa será um campo aberto para conflitos entre os seus múltiplos nacionalismos, o que a condenará, sem apelo, à mais pura irrelevância.

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