Há neste momento, uma expectativa perigosa nas hostes dos que defendem a democracia liberal. Crê-se que o comportamento do Kremlin, com o seu nacionalismo autoritário e agressivo, seja uma vacina, no mundo democrático ocidental, contra os candidatos a Putins – de calças ou de saias – que por aí proliferam. Parece-me precipitado este pensamento. Caso assim fosse, a senhora Le Pen estaria em queda acentuada em França. Em Espanha, a direita democrática estar-se-ia a livrar do Vox. Só para dar dois exemplos perto de casa. Ora, isso está longe de acontecer. Apesar do apoio que a direita populista, por toda a Europa, tem tido de Putin, ela está a conseguir, aos olhos da opinião pública, demarcar-se do protector e inspirador.
Por que razão esta direita populista é perigosa? Porque põe em causa alguns pilares em que assenta uma vida comunitária decente. Que pilares são esses? O primeiro é o Estado de Direito, em que todos estão submetidos, de modo igual, à lei. Quando os populistas chegam ao poder, o primeiro alvo de ataque é o Estado de Direito. Um segundo pilar é a independência do poder judicial relativamente aos governos. Esta independência permite evitar que os que governam utilizem a justiça para perseguir os adversários. O terceiro pilar é uma comunicação social livre, que qualquer populismo, instalado na governação, trata de reprimir e abolir. O quarto pilar, vindo do século XVII, é a tolerância por aqueles que são diferentes. Também este é atacado pelo populismo nacionalista, ainda antes de chegar ao poder e como táctica para o conquistar.
Há um outro
motivo pelo qual o populismo nacionalista é muito perigoso. Vive de rivalidades
e de afirmação da supremacia de uma soberania nacional sobre outras, tal como
se vê no presente caso da Ucrânia. Mesmo na Europa, isso é uma ameaça. Basta que
a União Europeia desapareça. Por estranho que possa parecer, essa possibilidade
continua no horizonte. Um triunfo do populismo nacionalista em França ou na
Alemanha e estamos num grande sarilho. A partir desse momento, toda a Europa se
tornará palco para as mais descabeladas aventuras nacionalistas. Não faltam por
aí fronteiras em disputa. Não é por acaso que Putin – em certa altura com ajuda
de Trump – tem tentado desarticulá-la. Os conflitos intra-europeus permitiriam
à Rússia tornar toda a Europa um protectorado seu. Contrariamente ao que muitos
pensam, não é seguro que a aventura de Putin represente um reforço das
democracias liberais. Estas continuam frágeis e sobre ataque cerrado dos que
desprezam os pilares em que elas assentam.
Post Scriptum. Este artigo foi escrito no já longínquo dia 27 de Março de 2022 e publicado na edição de ontem, 8 de Abril, do Jornal Torrejano. Neste curtíssimo intervalo, os motivos de inquietação cresceram. Não apenas com a vitória larguíssima de Viktor Orbán na Hungria, como com a possibilidade cada vez maior da senhora Le Pen ganhar as eleições francesas, com sondagens a dar-lhe vitória na segunda volta.
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