domingo, 1 de maio de 2022

Respirar fundo


No domingo, 24 de Abril, respiraram fundo todos aqueles que valorizam a União Europeia (UE) e o seu modo de vida. As eleições francesas não diziam apenas respeito aos franceses. Nelas jogava-se o destino do projecto europeu tal como o conhecemos. Uma vitória da senhora Le Pen seria não apenas um presente para Putin, mas uma bomba de fragmentação sobre a UE. Aquilo que lhe poderia acontecer não seria muito diferente daquilo que aconteceu ao bloco de Leste, quando a União Soviética implodiu. Em poucos anos voltariam as velhas rivalidades, incendiadas pelos nacionalismos, e o espaço que agora constitui a UE seria constituído por Estado nacionais irrelevantes no contexto internacional, em conflito entre si e, muito provavelmente, sob o pastoreio da Rússia. A eleição da senhora Le Pen seria a primeira pedra, na Europa Ocidental, da construção da Eurásia.

A vitória de Macron, porém, não deve tranquilizar, pois o mal-estar que assola França não deixou de existir. Vale a pena dar atenção a um estudo do jornal francês Le Parisien. Há claramente um problema de luta de classes. Enquanto os quadros e os profissionais intermédios (classes médias) votam maioritariamente em Macron, com destaque para os primeiros, os empregados e os operários votam em Le Pen. Se se olhar para o rendimento, aqueles que têm um rendimento familiar limpo acima de 3 000€ votam, preferencialmente, em Macron. Aqueles cujo rendimento familiar é inferior a 1250€ inclinam-se para Le Pen. Este eleitorado era, antigamente, o suporte da esquerda, do PCF e do PSF. Estes partidos são hoje quase inexistentes e os seus eleitores transitaram, em grande parte, para a extrema-direita. Mais que a questão da imigração e do Islão, é a distribuição da riqueza que alimenta o crescimento da extrema-direita.

Este problema não é apenas francês. Atinge o projecto europeu, enquanto construção democrática. As políticas liberais adoptadas nos últimos decénios têm criado uma vaga de ressentimento entre aqueles que perdem com essas políticas, e esses são muitos. Macron tem cinco anos – caso tenha sorte nas legislativas – para resolver este problema e evitar uma catástrofe nas próximas eleições. Isso, porém, não basta. É necessário que a UE reconsidere as suas políticas e os resultados do impacto delas no crescimento de descontentes e, concomitantemente, da extrema-direita. Os regimes democráticos dependem da existência de grandes classes médias. Se estas são destruídas por políticas liberais, parte do eleitorado sente que não tem nada a perder e, tomado pela cólera (uma palavra muito presente na política francesa), não se importa de fazer explodir o sistema. 

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