No domingo, 24 de Abril, respiraram fundo todos aqueles que valorizam a
União Europeia (UE) e o seu modo de vida. As eleições francesas não diziam
apenas respeito aos franceses. Nelas jogava-se o destino do projecto europeu
tal como o conhecemos. Uma vitória da senhora Le Pen seria não apenas um
presente para Putin, mas uma bomba de fragmentação sobre a UE. Aquilo que lhe poderia
acontecer não seria muito diferente daquilo que aconteceu ao bloco de Leste,
quando a União Soviética implodiu. Em poucos anos voltariam as velhas
rivalidades, incendiadas pelos nacionalismos, e o espaço que agora constitui a
UE seria constituído por Estado nacionais irrelevantes no contexto
internacional, em conflito entre si e, muito provavelmente, sob o pastoreio da
Rússia. A eleição da senhora Le Pen seria a primeira pedra, na Europa
Ocidental, da construção da Eurásia.
A vitória de Macron, porém, não deve tranquilizar, pois o mal-estar que
assola França não deixou de existir. Vale a pena dar atenção a um estudo do
jornal francês Le Parisien. Há claramente um problema de luta de classes.
Enquanto os quadros e os profissionais intermédios (classes médias) votam
maioritariamente em Macron, com destaque para os primeiros, os empregados e os
operários votam em Le Pen. Se se olhar para o rendimento, aqueles que têm um
rendimento familiar limpo acima de 3 000€ votam, preferencialmente, em
Macron. Aqueles cujo rendimento familiar é inferior a 1250€ inclinam-se para Le
Pen. Este eleitorado era, antigamente, o suporte da esquerda, do PCF e do PSF.
Estes partidos são hoje quase inexistentes e os seus eleitores transitaram, em
grande parte, para a extrema-direita. Mais que a questão da imigração e do
Islão, é a distribuição da riqueza que alimenta o crescimento da
extrema-direita.
Este problema não é apenas francês. Atinge o projecto europeu,
enquanto construção democrática. As políticas liberais adoptadas nos últimos
decénios têm criado uma vaga de ressentimento entre aqueles que perdem com
essas políticas, e esses são muitos. Macron tem cinco anos – caso tenha sorte
nas legislativas – para resolver este problema e evitar uma catástrofe nas
próximas eleições. Isso, porém, não basta. É necessário que a UE reconsidere as
suas políticas e os resultados do impacto delas no crescimento de descontentes
e, concomitantemente, da extrema-direita. Os regimes democráticos dependem da
existência de grandes classes médias. Se estas são destruídas por políticas
liberais, parte do eleitorado sente que não tem nada a perder e, tomado pela cólera
(uma palavra muito presente na política francesa), não se importa de fazer
explodir o sistema.
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