sábado, 26 de abril de 2025

Liberdade e democracia

Ana Hatherly, Ruas de Lisboa, 1977 (Gulbenkian)

Ontem, julgo que numa iniciativa do Banco de Portugal, Pacheco Pereira afirmou que a liberdade chegou na tarde de 25 de Abril de 1974, mas que a democracia ficou claramente instaurada apenas na revisão constitucional de 1982. A distinção entre liberdade e democracia nem sempre é compreendida. Podemos ter liberdade – pelo menos em tese – sem termos um regime democrático. Podemos ter uma democracia sem termos liberdade. Aliás, são duas realidades que não raras vezes entram em choque. Essa era já uma preocupação do pensador político francês do século XIX, Alexis de Tocqueville.

É possível conceber uma sociedade onde não há um método de escolha dos governantes, mas na qual não existe censura, nem polícia política, nem perseguição por motivos ideológicos ou políticos. As pessoas são livres de fazer o que entenderem das suas vidas, inclusive são livres de criticar os detentores do poder, mas não têm o direito de escolher quem as deverá governar ou de participar nessa governação. É estranho para os nossos hábitos mentais, mas no conceito de liberdade individual não se inclui necessariamente o direito de escolher a governação.

Por outro lado, podemos conceber um regime democrático, onde existe o direito de participar na escolha dos governantes, mas em que a liberdade é restringida. A democracia pode ser uma ditadura da maioria, onde esta, legitimada pelo voto, diminui as liberdades da minoria ou certas liberdades individuais. É isso que se passa nas denominadas democracias iliberais: são formalmente democracias, mas as liberdades estão condicionadas.

Dizer que uma democracia é liberal não é o mesmo que dizer que é uma democracia representativa. Esta pode, através de representantes eleitos, limitar ou negar as liberdades individuais. Dizer que uma democracia é liberal significa que é democrática – depende do voto da maioria na escolha dos governantes –, mas que, em momento algum, as maiorias têm a capacidade de eliminar os direitos das minorias ou dos indivíduos.

O 25 de Abril, de facto, trouxe de imediato as liberdades; a democracia liberal foi uma lenta construção, que teve alguns percalços no caminho, em que os portugueses aprenderam a compatibilizar o voto maioritário com o respeito pelos direitos individuais e das minorias derrotadas nas urnas. É muito importante defender a democracia, mas não qualquer democracia. É importante defender um regime que seja capaz de compatibilizar a escolha por maioria popular dos governantes com a defesa dos direitos individuais, mesmo que estes não agradem, circunstancialmente, à maioria vencedora.

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