Perante a
corrupção dos juízes, é o povo que, por intermédio de Samuel, pede a Deus um
rei. O pedido desagrada a Samuel e também a Deus, mas este ordena-lhe que
escute a voz do povo. Antes, porém, Samuel deve adverti-lo sobre o custo da
instauração de um poder político — e a lista de encargos é devastadora: impostos,
conscrição, expropriação, servidão. Nada, contudo, demove os israelitas. Deus
encerra o caso com uma fórmula lapidar: “Ouve a sua voz, e põe sobre eles um
rei” — ou seja, alguém que os domine e oprima.
Deus dá ao seu
povo um rei como quem dá uma severa punição. Todo o poder político é pensado,
no texto, como um castigo aos homens, castigo
que os atingirá tanto na liberdade como na propriedade, ou mesmo na vida. Esse
poder é o espelho onde se reflecte a maldade da espécie humana. Existe para a
punir. O que o texto de Samuel nos conta é um processo onde os homens transitam,
pelo seu próprio querer, de uma vida livre para a servidão. Enquanto a tradição
grega vê o poder político como positivo, a tradição bíblica apresenta uma outra
face desse poder: a face negativa, centrada na ideia de poder como penalidade.
Se se quiser
compreender em profundidade as motivações que sustentam, por um lado, o
liberalismo — na sua aspiração a reduzir o Estado ao mínimo — e, por outro, o
comunismo e o anarquismo — unidos no propósito de suprimir esse Estado — então
impõe-se uma leitura atenta do capítulo oitavo do primeiro Livro de Samuel. É
ele que ensina que o poder político não é uma coisa natural aos homens, como
pensava Aristóteles. Pelo contrário. É a corrupção humana, a prática do mal,
que vai conduzir a espécie à busca de mecanismos de autopunição. As ideologias
modernas são a recusa da punição – no caso do comunismo e do anarquismo. Ou uma
tentativa da sua limitação – no caso do liberalismo. Há nelas, uma esperança de
redenção do homem, mas, acima de tudo, existe uma leitura da política que se
funda em Samuel.
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