Quando a telenovela Gabriela,
Cravo e Canela se estreou em Portugal, em 1977, os portugueses estavam muito
longe de compreender que o género não apenas iria ganhar raízes na televisão
como se tornaria o modelo de toda a vida pública. A informação e a política
são, há muito, modeladas pelos enredos telenovelescos. Também a justiça se
rendeu, talvez desde o caso Casa Pia,
à dimensão dos folhetins televisivos. O auge da dimensão telenovelesca é
atingido na Operação Marquês, que
envolve o antigo primeiro-ministro José Sócrates.
O efeito disto sobre a opinião pública é extraordinário. Quando a
justiça tem por arquétipo a telenovela, deixa de ser importante se os acusados
são culpados ou inocentes, se tudo decorre segundo as regras da justiça e os
princípios da moral. O que interessa agora à opinião pública é a cena do próximo
capítulo, não por que ela nos diga alguma coisa de efectivo sobre o caso em si
mesmo, mas porque é necessário alimentar a curiosidade e o desejo de saber o
que vai acontecer a seguir, independentemente da virtude e da verdade desse
acontecer.
O juiz de instrução dá uma entrevista. Óptimo, que belo capítulo.
Sócrates pede o afastamento do juiz, ainda melhor. O procurador pede mais seis
meses para continuar a investigação, temos a cereja em cima do bolo. A
telenovela ideal é aquela que não acaba, que prende continuamente o espectador
com novos acontecimentos e reviravoltas. A telenovela José Sócrates tem todos
os ingredientes para se aproximar do ideal da telenovela: um contínuo de
episódios sem fim. Não interessa já se Sócrates é culpado ou inocente. Pouco
importa se Carlos Alexandre ajuizou bem ou mal. É irrelevante saber se a
investigação é bem ou mal conduzida. O importante é que o suspense se mantenha,
de preferência enquanto as audiências estiverem em alta e o auditório não se
canse.
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