Raoul
Hausmann, Corbeilles de lumière,
1931
A caminho da completa transparência. "Pensamentos" transformados em palavras através de um dispositivo com inteligência artificial. Esta notícia deveria alarmar-nos, mas não alarma. Pelo contrário, é observada com boa disposição. No entanto, transformar o nosso diálogo interno em sons é abrir as portas para o inferno. O inferno é a transparência absoluta. Até hoje, a vida interior estava resguardada pelo silêncio. Há coisas que pensamos e que não queremos que ninguém saiba. Há coisas em nós que nós próprios não sabemos e não queremos saber. Fazem parte do fundo sombrio que todos os seres humanos trazem em si e que, por norma, aprendem a domar ou a recalcar. A vida de cada um de nós é, e deve ser, translúcida. Nem completamente opaca, nem completamente transparente. Esta descoberta inscreve-se no caminho para a total transparência. A transparência total é a destruição da privacidade e, em última análise, a destruição da pessoa, com a possibilidade da sua total exposição pública. Não se trata já de se saber tudo o que fazemos e tudo o que dizemos, mas também de tudo o que pensamos e, mais grave ainda, aquilo que se pensa em nós, apesar da censura que lhe fazemos. Estamos alegremente a criar os dispositivos para um terror absoluto.
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