quinta-feira, 12 de julho de 2018

Um concubinato de conveniência


A minha crónica no Jornal Torrejano.

Desde o início que a actual solução governativa sofre de um pecado mortal. Este reside num governo onde só um dos partidos de esquerda tem assento. Ao escolher o caminho mais fácil, a esquerda resolveu alguns problemas de momento. António Costa evitou o fim da sua carreira política e o Partido Socialista conseguiu não passar pelas humilhações que outros partidos socialistas europeus sofreram. O Bloco de Esquerda alcançou o estatuto de força política respeitável. Veja-se a condecoração póstuma de Miguel Portas, fundador e dirigente do BE. O Partido Comunista, por seu lado, pôde apresentar-se como uma força de construção de soluções governativas e não de mera contestação. Durante mais de dois anos a fragilidade da solução foi disfarçada pelos aparentes sucessos governativos.

Quando nos aproximamos do último orçamento da legislatura, mesmo que haja uma convicção geral de que será aprovado, os problemas saltam aos olhos de toda a gente. Estes problemas pouco têm a ver com as leis laborais, a distribuição do dinheiro no próximo orçamento ou com as reivindicações dos vários corpos da função pública. Tudo isto é apenas um simples reflexo de uma debilidade estrutural existente desde o início desta solução governativa. As esquerdas não têm um projecto político para o país, um projecto ponderado, negociado e partilhado pelos vários partidos. Viveram até agora num concubinato de conveniência meramente circunstancial. De facto, seria muito exigente negociar um governo com todos os parceiros de esquerda, pois isso implicaria duas coisas.

Em primeiro lugar, haveria que olhar seriamente para a realidade do país. A debilidade financeira, a inconsistência da economia, a frágil situação de grande parte dos portugueses (pobres e com pouca autonomia), a dependência perante os parceiros da União Europeia e os chamados mercados financeiros. Em segundo lugar, seria necessário um forte espírito de compromisso, com todas as partes a terem de aceitar não apenas coisas agradáveis mas também aquilo que lhes desagrada. Um governo assim fundado evitaria tudo a que estamos a assistir, desde as aproximações de Costa a Rui Rio até ao retorno do BE e do PCP às políticas de contestação. Teria outra virtude. Asseguraria ao eleitorado que a esquerda possui um projecto credível para o país e não um mero programa de entretenimento enquanto a direita se recompõe para chegar ao poder e executar as suas políticas. Temo, porém, que os partidos de esquerda sejam mais sensíveis às suas conveniências particulares do que aos anseios do eleitorado.

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