A minha crónica no Jornal Torrejano.
Desde o início que a actual solução governativa sofre de um pecado
mortal. Este reside num governo onde só um dos partidos de esquerda tem
assento. Ao escolher o caminho mais fácil, a esquerda resolveu alguns problemas
de momento. António Costa evitou o fim da sua carreira política e o Partido
Socialista conseguiu não passar pelas humilhações que outros partidos socialistas
europeus sofreram. O Bloco de Esquerda alcançou o estatuto de força política
respeitável. Veja-se a condecoração póstuma de Miguel Portas, fundador e
dirigente do BE. O Partido Comunista, por seu lado, pôde apresentar-se como uma
força de construção de soluções governativas e não de mera contestação. Durante
mais de dois anos a fragilidade da solução foi disfarçada pelos aparentes
sucessos governativos.
Quando nos aproximamos do último orçamento da legislatura,
mesmo que haja uma convicção geral de que será aprovado, os problemas saltam
aos olhos de toda a gente. Estes problemas pouco têm a ver com as leis
laborais, a distribuição do dinheiro no próximo orçamento ou com as
reivindicações dos vários corpos da função pública. Tudo isto é apenas um
simples reflexo de uma debilidade estrutural existente desde o início desta
solução governativa. As esquerdas não têm um projecto político para o país, um
projecto ponderado, negociado e partilhado pelos vários partidos. Viveram até
agora num concubinato de conveniência meramente circunstancial. De facto, seria
muito exigente negociar um governo com todos os parceiros de esquerda, pois
isso implicaria duas coisas.
Em primeiro lugar, haveria que olhar seriamente para a
realidade do país. A debilidade financeira, a inconsistência da economia, a
frágil situação de grande parte dos portugueses (pobres e com pouca autonomia),
a dependência perante os parceiros da União Europeia e os chamados mercados
financeiros. Em segundo lugar, seria necessário um forte espírito de
compromisso, com todas as partes a terem de aceitar não apenas coisas agradáveis
mas também aquilo que lhes desagrada. Um governo assim fundado evitaria tudo a
que estamos a assistir, desde as aproximações de Costa a Rui Rio até ao retorno
do BE e do PCP às políticas de contestação. Teria outra virtude. Asseguraria ao
eleitorado que a esquerda possui um projecto credível para o país e não um mero
programa de entretenimento enquanto a direita se recompõe para chegar ao poder
e executar as suas políticas. Temo, porém, que os partidos de esquerda sejam
mais sensíveis às suas conveniências particulares do que aos anseios do
eleitorado.
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