segunda-feira, 4 de julho de 2022

Tempestade perfeita

Os resultados eleitorais das legislativas em França vieram acrescentar mais um sinal de que a Europa está à beira de uma tempestade perfeita. Por um lado, temos a guerra na Ucrânia. Na sequência desta, uma crise nos cereais e, com mais impacto na Europa, a crise dos combustíveis que afecta a economia e, quando chegar o Inverno, atingirá o bem-estar de muitos europeus. A isto somam-se os problemas introduzidos pelas alterações climáticas e as vagas de calor sentidas um pouco por todo o lado. Também a inflação não é visita que se queira receber, mas ela não apenas bateu à porta como já irrompeu casa dentro. Agora, um cenário de crise política sem solução à vista num dos dois principais países da União Europeia.

Parece que as circunstâncias estão todas a combinar-se para a emergência de um desastre de grande magnitude.  Como se chegou aqui? Não haverá explicações fáceis e prontas a servir, mas como acontece nas tragédias gregas a cegueira tem um papel determinante na sua eclosão. Os europeus – refiro-me às elites políticas que têm sustentado o projecto europeu – quiseram fechar os olhos para os preocupantes sinais que vinham de Leste. Permitia-lhes dormir descansados, enquanto desfrutavam do convívio com os oligarcas russos e o dinheiro destes, e não pensar em coisas aborrecidas como a questão da defesa, em que os gastos principais eram transferidos para os americanos, como se estes tivessem a obrigação de proteger os europeus. 

Por outro lado, também não quiseram abrir os olhos para a degradação das democracias, para a destruição das classes médias e o abandono das classes populares. Não quiseram ver que um excesso de liberalismo mata a democracia liberal. O resultado da cegueira conduziu ao Brexit e, agora, em França, ao ensanduichamento do governo entre duas fortes correntes radicais e populistas, uma de esquerda e outra de direita, que ameaçam levar França ao caos e com ela a União Europeia.

O terrível de tudo isto é que pode já ter passado o momento em que os acontecimentos poderiam ser geridos pelos homens e conduzidos a bom porto. Há situações, como reconheceu o velho pensador reaccionário Joseph de Maistre acerca da Revolução Francesa, em que os homens deixam de conduzir os acontecimentos e são estes que os empurram para onde eles nunca imaginaram ir. É possível que as elites políticas europeias continuem cegas e presas ao sonambulismo, mas quem olhar com atenção para os sinais não pode deixar de temer que o cavalo da História tenha já tomado o freio nos dentes.

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