Há no título escolhido por Teixeira de Queirós uma aparente inconsistência com o próprio romance que acompanha a vida de casados de Arminda e Gustavo, os principais protagonistas desta Comédia Burguesa. Existe, contudo, nesta decisão uma avaliação dessa instituição social que é o casamento. No prólogo da edição de 1896, referindo-se às suas personagens, o autor escreve: Não eram bons, nem eram maus; mas não cumpriram com o seu dever como elementos sociais. Gozaram um fausto reles, e desuniram-se sem ódio. Nunca chegaram a conceber o que fossem virtudes com que se resistisse à adversidade; não tiveram abnegação, nem paciência, nem heroísmo na pobreza… tudo despreocupação e fatuidade. O romance mais do que uma crítica à instituição casamento é uma análise minuciosa dos motivos que conduzem à sua derrocada. O casamento é um dever social e não um mero direito dos indivíduos. Esse dever exige um conjunto de virtudes que provam a maturidade de mulher e homem que se empenham na sua realização. Um casamento exige capacidade de resistir à adversidade – na língua-de-pau do psicologês que invadiu a sociedade actual, dar-se-lhe-ia o nome de resiliência – exige abnegação, paciência e heroísmo, uma qualidade dos espíritos nobres. Tudo isto faltou na vida de casados de Arminda e Gustavo. Na verdade, nunca chegaram a ser, no pleno sentido da palavra, marido e mulher. Apesar de casados, não eram mais do que noivos incapazes de consumar um casamento, não no plano sexual, entenda-se, mas no plano da instituição social.
Há, em Os Noivos, duas linhas fundamentais que ajudam a compreender essa efectiva não consumação matrimonial. Por um lado, a desadequação de ambos à sua situação social e económica. Provenientes de uma pequena/média burguesia do funcionalismo, sem fortuna, eram tentados por uma vida de fausto que a sua realidade não suportava. Teixeira de Queirós faz um retrato desapiedado desses meios, daquilo que move homens e mulheres, tornando patente como, por exemplo, a inveja desencadeia comportamentos miméticos que levam à perda dos protagonistas. De certa maneira, muito antes de a dissolução do casamento se ter tornado uma banalidade, o autor faz um retrato preciso daquilo que está na base de um casamento destruído. Uma segunda linha de compreensão é a da influência de uma visão do mundo romântica. O amor romântico é agora alvo não de uma recepção apoteótica, mas objecto de uma crítica rigorosa. Isso torna-se patente durante a lua-de-mel do casal, passada em Sintra. Não apenas o romantismo do lugar é um sinal, como as sessões de leitura a que os noivos se entregavam e lhes enchiam a alma. Liam, melhor, Gustavo lia para Arminda o romance de Alphonse de Lamartine, Graziela, um dos expoentes do romantismo francês. A modelação dos sentimentos encontrava nesse romance a sua ideia reguladora. O facto de não ter contribuído, pelo contrário, para fortalecer a união dos dois é o sinal de que o autor considerava esse romantismo uma forma ideológica incapaz de produzir nos noivos a atitude virtuosa que lhes permitiria a levar a bom termo o compromisso que o casamento representaria à época.
Influenciado por
Honoré de Balzac, Teixeira de Queirós empreende, com Os Noivos, um
conjunto de estudos fisiológicos e sociais – A Comédia Burguesa – da classe
actualmente dominante. Ele observa-a nas suas diversas manifestações. Desde
o duro homem de negócios, passando por militares, por funcionários bem
colocados e por pessoas que sendo burguesas pela sua condição de classe, não o
são, como Gustavo e Arminda, pela fortuna, herdada ou adquirida. Em torno do
drama conjugal, o autor mostra em acção essa gente que está já em fase
adiantada de relegar a velha aristocracia – ainda reverenciada – para o lugar
onde se coleccionam relíquias históricas. Não deixa de ser sintomático, porém,
que o ciclo seja iniciado por um caso claro de fracasso, um fracasso de
burgueses em consumarem não apenas o seu casamento, mas a sua própria condição
social. Não será inútil, para uma interpretação do romance – e, porventura, de
todo o ciclo – a distinção feita por Aristóteles entre tragédia e comédia. A
tragédia imita a acção dos homens superiores, dos heróis; a comédia, a dos
homens inferiores. Contudo, o filósofo acrescenta relativamente aos homens
inferiores imitados na comédia: (imitação) não, todavia, quanto a
toda a espécie de vícios, mas só quanto àquela parte do torpe que é ridículo.
Gustavo e Arminda não eram bons nem maus. Não eram heróis e seres nobres. Eram apenas
ridículos no modo como se relacionavam com a sua própria realidade.
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