O filósofo John Searle chama a atenção, em Da Realidade Física à Realidade Humana, p. 240, para o seguinte facto: “O dinheiro, o governo, a propriedade e o casamento exigem todas a linguagem, mas a linguagem não exige qualquer uma delas”. Depois imagina duas situações. Na primeira, refere que se “um antropólogo volta da bacia amazónica e diz que estudou uma tribo que tem linguagem, mas que não tem dinheiro, propriedade privada ou governo, podemos aceitá-lo”. Essa aceitação não seria possível se ele afirmasse que esses seres humanos “têm sistemas bastantes elaborados de governo, de propriedade privada e dinheiro, mas não têm linguagem”. Uma afirmação absurda. Com isto, Searle demonstra que a linguagem é a instituição primária, da qual todas as outras dependem necessariamente.
No actual estado do mundo, parece haver uma correlação entre a afirmação dos populismos políticos e a compressão da linguagem dos cidadãos. Nas democracias liberais, tudo repousa na escolha feita pelos eleitores. Ora, se tanto as elites políticas como as pessoas comuns sofrem de uma linguagem pobre, então não será de admirar que os eleitores, perante os complexos problemas existentes, se deixem atrair pela linguagem estereotipada dos slogans e das frases feitas. A indigência da linguagem política significa, porém, muito mais que uma degradação estética do discurso.
A pobreza da
linguagem política representa também uma corrupção das instituições
democráticas. Estas assentam num complexo jogo de equilíbrios, o qual exige um
apreciável domínio linguístico para ser entendido. Por exemplo, para se
perceber coisas como a independências dos diversos poderes ou o facto de uma
vitória eleitoral não dar aos vencedores todo o poder, mas antes um poder
reduzido e vigiado. Quando se assiste a uma contínua erosão da linguagem, não
podemos esperar senão que as instituições democráticas, que se fundam no
discurso, se pervertam, abrindo o caminho que substituirá a palavra pela
violência.
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