Rodney Smith, Gary Descending Stairs, 1995 |
Era uma canção que todos conheciam. Ouvia-a, e as palavras que dela deslizavam abriam-me o coração. Rumores vindos de longe ou ruídos metálicos nascidos na rua interrompiam-me o prazer da escuta. A canção terminava, mas logo recomeçava e com ela vinham novos rumores e outros ruídos. Sempre que a canção começava, uma mulher, a mais bela mulher, descia as escadas da casa em frente. Tinha um ritmo solene, mas mal os rumores ou os ruídos se interpunham, ela transformava-se numa harpia. Então o coração acelerava, e eu gritava: estou morto, ela vem comer-me a carcaça. A canção acabava e ela desaparecia, para voltar de novo, bela, até que uma sirene me acordou e o espírito voltou para esta casa solitária perdida no ermo dos campos. Pousado num penhasco, um velho grifo sondava a paisagem.
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