sábado, 24 de setembro de 2022

A aposta de António Costa


António Costa voltou decididamente ao consenso liberal que gere a União Europeia, do qual em aparência se tinha afastado nos primeiros seis anos de governação. O problema da actualização dos vencimentos da função pública e das reformas e o da recusa de taxar os lucros extraordinários das grandes empresas provam que está completamente comprometido com a visão dominante na União Europeia. Parecem existir dois objectivos na actual política. Aproveitar o processo inflacionário em curso para cortar salários na função pública e reformas, através de aumentos inferiores à inflação. O objectivo será o de diminuir a dívida pública. Quanto à recusa de taxar as grandes empresas e, provavelmente, de apoiar o corte de salários por mecanismo idêntico ao do Estado, será uma tentativa de capitalização dessas empresas ou, no caso das outras, de fazer baixar os salários. O problema, porém, serão os impactos dessa política.

A primeira questão será a de saber se a sociedade portuguesa conseguirá conviver com um novo tempo de austeridade. Pois é disto que se trata. Os funcionários públicos, cuja situação era vista como um privilégio, há muito que se encontram em perda real e irão continuar a perder. A conflitualidade laboral aumentará paralisando os serviços, provocando o descontentamento dos cidadãos. Mesmo que, na economia privada, o emprego suba, assim como o salário mínimo, a experiência dos efeitos da inflação e o empobrecimento que eles implicam podem não levar a altos níveis de conflitualidade laboral, mas não deixarão de semear uma grande dose de ressentimento social a somar à que já existe e que só os mais distraídos pensarão que é pequena.

A segunda questão é o impacto político. As políticas socialistas irão provocar descontentamento com o governo. Se esse descontentamento tiver algum efeito à esquerda, será de evitar uma hecatombe do PCP, salvando o partido de uma futura irrelevância parlamentar, mas não mais que isso. O descontentamento levará o eleitorado para a direita. O PSD sempre foi um hábil campeão social na oposição, e agora não o será menos, mesmo que quando chegar ao governo seja, desse ponto de vista, mais duro que os socialistas. Contudo, o crescimento do PSD não será o único efeito político. É mais que previsível o crescimento eleitoral de André Ventura, que encontrará no ressentimento social um terreno fértil para as suas aspirações. O que levará, sobre isso não há qualquer dúvida, a um acordo entre o PSD, Ventura e os liberais. É aí que a aposta de António Costa conduzirá.

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