sábado, 10 de setembro de 2022

A crise do capitalismo


Segundo Ângelo Alves, da comissão política do PCP, a causa da guerra da Ucrânia seria o declínio do capitalismo. Este, na sua crise final, teria provocado o confronto. Não é a mirabolante e fantasiosa explicação do conflito que assola a Europa que me interessa, mas as ideias de declínio e de crise. A ideia de declínio do Ocidente, de cuja civilização faz parte o capitalismo, foi desenvolvida por Oswald Spengler (1880-1936), em O Declínio do Ocidente (1918-22). Não foi o primeiro a fazê-lo. Encontramos essa ideia, por exemplo, em Friedrich Nietzsche, no final do século XIX. A retórica da crise do capitalismo insere-se na retórica do declínio ocidental, apesar de ser conceptualmente mais ingénua (a ligação entre o fim do capitalismo e o fim dos conflitos é de uma ingenuidade inominável) e, moralmente, mais culpada (visa a destruição dos espaços de liberdade existentes).

O pensamento mais radical acerca da crise do mundo ocidental encontra-se em René Guénon (1886-1951), um pensador francês tradicionalista, marginal ao mundo académico e à política. Em 1927, publica A Crise do Mundo Moderno. A radicalidade da tese guenoniana não está na afirmação de que uma crise atingia o Ocidente, mas na ideia de que o mundo moderno – isto é, o Ocidente – representa ele mesmo uma crise. A Modernidade não está em crise, ela é a crise. Por Modernidade entende-se a civilização ocidental nascida da dissolução da Idade Média e desenvolvida a partir do Renascimento. Dois traços, segundo o autor, são fundamentais. Por um lado, o individualismo que se desenvolve a partir do subjectivismo cartesiano e, por outro, o primado da quantidade sobre a qualidade. Se olharmos para o capitalismo, ele não é outra coisa senão uma afirmação do indivíduo e uma forma de redução de tudo à quantidade. Ele é a emanação mais autêntica do Mundo Moderno.

Quais as consequências disto? Não há qualquer crise do capitalismo. Este é, por sua própria natureza, a crise, uma crise permanente, pois ele não pode desenvolver-se se não estiver continuamente a revolucionar o mundo, a lançá-lo em crise, como notou Karl Marx. Veja-se, por exemplo, como a economia digital deixou uma série de sectores em crise, como está ainda agora a lançar as instituições para a crise. A crise é a saúde do capitalismo e não a sua doença mortal. Há duas questões que se levantam a partir daqui. A primeira, a espécie humana conseguirá viver numa revolução permanente, que é aquilo que o capitalismo é? A segunda, os seres humanos poderão viver, com um módico de qualidade, sem essa revolução permanente, isto é, sem o capitalismo?

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