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quinta-feira, 30 de março de 2023
Ensaio sobre a luz (99)
terça-feira, 28 de março de 2023
Pornografia na sala de aula
Um encarregado de educação
queixou-se da nudez a que os alunos, de 11 e 12 anos, de uma escola pública da
Florida (EUA), tinham sido sujeitos, numa aula sobre a arte do Renascimento.
Foram expostos a pornografia, argumentou (ver aqui).
Tratava-se de reproduções da estátua de David e
da pintura A
Criação de Adão, ambas de Miguel Ângelo, bem como de O
Nascimento de Vénus, de Sandro Botticelli. A definição de pornografia é
disputada, mas a proposta por Caroline West, na entrada “Pornography
and Censorship”, da Stanford Encyclopaedia of Philosophy, é uma
definição aceitável: “Pornografia é material sexualmente explícito
(verbal ou pictórico) que é principalmente concebido para produzir excitação
sexual nos espectadores”. A alegação do encarregado de educação é
manifestamente falsa, pois as obras em questão estão longe de preencherem os
critérios da definição de pornografia.
Podemos pensar que se tratou de
um caso de excesso doentio de puritanismo, um episódio sem relevo. Seria cair
no erro. A directora da escola pública foi obrigada a apresentar a demissão. O
incidente é revelador de um profundo conflito, de natureza política, que está a
atravessar as sociedades ocidentais, embora, de momento, seja mais explícito
nos EUA ou no Brasil. O que está em jogo é a relação muito tensa entre uma
parte da sociedade que adopta valores liberais, não apenas na economia, mas no
modo de vida, onde a liberdade individual é o bem supremo a respeitar, e outra
parte dessa mesma sociedade que tem uma perspectiva comunitarista conservadora,
que se sente perdida num mundo onde os valores liberais predominam,
nomeadamente, os que se relacionam com a sexualidade. Para se perceber esta
posição vale a pena ler um livro de Rod Dreher, The
Benedict Option. A Strategy for Christians in a Post-Christian Nation.
Este tipo de conservadorismo comunitarista é um dos elementos estruturais daquilo a que os cientistas políticos Roger Eatwell e Matthew Goodwin denominam como nacional-populismo e que está por detrás de políticos como Donald Trump, e parte substancial dos Republicanos, de Jair Bolsonaro e de inúmeros movimentos e partidos políticos na Europa, entre eles o Chega. A radicalização política a que se assiste não se funda em problemas da distribuição de rendimentos, embora estes façam parte da equação, mas num conflito cultural sobre o modo como se deve organizar a sociedade, de que o episódio da interpretação da arte renascentista como pornografia é um reflexo. A questão que se coloca é a de saber até que ponto as comunidades políticas e a liberdade individual como bem último são compatíveis.
domingo, 26 de março de 2023
Cardílio (24 sonetos) 9
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Na tarde quente e calma, na
suave
Melancolia do tempo bonançoso
Havia no aveludado das searas
Um rosto belo, branco e ardente.
Onde a luz dos olhos cintilantes,
O negro do cabelo solto ao vento?
Avita nesta terra te perdeste,
Só o nome o tempo te deixou.
Na seiva mansa e árdua que na tarde
Corre, há frutos azuis, gestos macios
Que inundam o precário desconcerto
Onde mulheres ávidas de amor
Ao amor se dão, tristes e submissas,
Do frio fado e da morte desprendidas.
2007
sexta-feira, 24 de março de 2023
Nocturnos 99
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quarta-feira, 22 de março de 2023
A persistência da memória (21)
Constant Puyo, Frühling, 1900 |
segunda-feira, 20 de março de 2023
Simulacros e simulações (46)
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sábado, 18 de março de 2023
Os abusos e a desorientação da Igreja
É um facto que existe uma pulsão na Igreja para tentar controlar a sexualidade dos fiéis ou mesmo, caso fosse possível, de toda a gente. Enquanto se preocupa com o controlo da vida sexual dos outros, o clero – que domina toda a Igreja – sempre foi muito benevolente para com os seus, mesmo nos casos de abuso de menores, como se tem sabido. O problema, porém, não é, em primeiro lugar, um problema com a sexualidade, mas a forma como a Igreja tem sido incapaz de lidar com o mundo moderno e a autonomia dos indivíduos. Não é a sexualidade que leva parte do clero à desorientação, mas o facto de a relação com os crentes, na qual o pastor tem poder sobre as consciências, estar em contradição com sociedades onde os indivíduos são livres. Não podemos esquecer que os abusos, agora relatados pela Comissão Independente, ocorreram em relações onde, por norma, o poder eclesial do abusador se conjugava com a submissão das vítimas.
Essa relação de poder sobre as consciências está ameaçada. É essa ameaça que explica a desorientação de parte importante da hierarquia católica. Outrora, o seu poder era suficiente para ocultar as coisas desagradáveis. Agora deixou de ser. Enquanto a Igreja não compreender que a liberdade das pessoas e a autonomia da sua consciência é um bem que deve ser não só respeitado, mas cultivado, continuará a ver nos padres pastores de um rebanho de ovelhas submissas. E isto abre o caminho para todos os abusos. O que há de doentio na relação da Igreja com a sexualidade, o que há de inominável na história dos abusos, radica numa perversa relação de poder dos clérigos com os fiéis. Sem alterar esta relação, parte substancial da Igreja continuará desorientada, perdida entre o sonho do retorno a um passado de poder e dominação das consciências e os ditames de um mundo onde cada um deve guiar-se pela sua razão e não pela do prior da paróquia.
quinta-feira, 16 de março de 2023
Cardílio (24 sonetos) 8
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Na luz destas colunas, em teu
rosto
Macerado, coberto pelo musgo,
Desenhado na areia dos olivais,
Quantos anos passaram sem vestígio.
As paredes são pó, pedra calcária,
Abandonadas águas tão salobras.
Aves siderais pálidas de morte,
Folhas, frutos perdidos no
silêncio.
Uma palavra rasga o horizonte,
Grita-te incendiada na memória,
Ecoa na lezíria devastada.
No porão dos Invernos esquecidos,
Nas pedras arrastadas pelo tempo,
Ergue-se a sombra pura do passado.
2007
terça-feira, 14 de março de 2023
Comentários (4)
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domingo, 12 de março de 2023
Descrições fenomenológicas 70. A praça
Willem De Kooning, Cuadro, 1948 |
sexta-feira, 10 de março de 2023
Nocturnos 98
Imagem gerada por IA da DALL-E 2, da OpenAI |
quarta-feira, 8 de março de 2023
Cardílio (24 sonetos) 7
Anónimo romano, Mosaico de las figuras (detalhe), Museo Arqueológico. Córdoba. España |
Já não
resta do amor senão fragmentos
Dilacerados, rosas secas, murchas,
Espinhos acerados no silêncio
Da Primavera lábil e olvidada.
O inquieto chão que outrora tu pisaste
Não passa dum murmúrio, seca página
Da mão logo apartada. Ouve, Cardílio,
A lâmpada apagou-se, a noite veio.
Tremem-te as mãos, amarga o coração,
Já nada em ti respira, nem a voz,
Nem a língua suspira. Anjo não és,
Nem ladrão, nem um deus inconsolado.
- Sombra, vermelha sombra, quem és tu?
- Um nome, sem destino nem morada.
2007
segunda-feira, 6 de março de 2023
Ensaio sobre a luz (98)
Artur Pastor, Série De volta à Cidade, Lisboa, Avenida João XXI , décadas de 60-70 |
sábado, 4 de março de 2023
Um estranho país
Descobre-se, ao olhar a comunicação social, que o país é composto praticamente por proprietários de casas devolutas e por donos de casas utilizadas para alojamento local. O alarido perante a iniciativa governamental relativa à habitação diz muito da comunicação social, mas muito pouco sobre o país. Isto não significa que as propostas do governo não sejam discutíveis. São-no. Contudo, o problema central não será o suposto ataque ao direito de propriedade ou a limitação da iniciativa no caso do alojamento local. Em primeiro lugar, é o próprio problema da habitação que se tornou dramático. Em segundo, é a expulsão dos habitantes menos ricos das grandes – e pequenas – cidades, com a consequente descaracterização. Por fim, é o impacto político resultante do ressentimento de parte da população ao sentir-se expulsa do lugar onde sempre viveu.
Há dias foi publicado um dado relevante sobre a nossa sociedade que está condenado a provocar menos alarido, menos comentários empolgados e delirantes, menos preocupação. Trata-se do crescimento da pobreza. O caso mais impressionante, porém, é que, se não existissem apoios sociais, 45% dos portugueses viveriam na pobreza. Isto é, quase metade da população. Além do mais, muitos, se não a maioria, dos outros 55% vivem pouco acima desse limiar de pobreza. Quando se junta estes dados à situação do sistema de saúde, e a falta de profissionais, do sistema educativo, e a falta de profissionais, fica-se com uma imagem terrível de Portugal. Uma sociedade extremamente estratificada, com grandes desigualdades e com os serviços sociais em colapso. Portugal entrou na União Europeia em 1986. A adesão era vista como a única forma de o país ser viável e não ver, a prazo, a sua independência ameaçada.
Passados mais
de 35 anos, com muitos milhões de euros entrados no país, os problemas da
pobreza não foram resolvidos. Por outro lado, os direitos constitucionais à
habitação, saúde e educação encontram, cada vez mais, sérias limitações. Os
portugueses, por norma, têm grande capacidade de sobreviver nos momentos
difíceis, mas são incapazes de olhar o longo prazo, de estruturar e planear o
que virá. Os governos, como no caso da habitação, mas também noutras áreas,
improvisam, reagem aos problemas que vão surgindo, sendo incapazes de os
antecipar e evitar. A agravar tudo isto, temos uma sociedade civil débil, com
horror à política, composta por cidadãos que têm por aspiração máxima não
ficarem pior do que estão. O alarido da comunicação social em torno das casas
devolutas e do alojamento local é o outro lado da cegueira perante um país
doente e em degradação contínua.
quinta-feira, 2 de março de 2023
O ódio ao Ocidente
Tornou-se manifesta a existência não apenas de um sentimento antiocidental, mas de um propósito de isolar o Ocidente e destruí-lo. A questão é a de saber o que tem a cultura ocidental de específico que provoca um ódio tão avassalador noutras partes do mundo. Alguns ocidentais dirão que o seu comportamento imperialista, a necessidade de abrir mercados nem que seja pela violência. Ora, essa conduta não é uma especificidade ocidental, e, por outro lado, os impérios ocidentais ruíram há muito. A diferença específica geradora de um ódio persistente ao Ocidente é a liberdade dos indivíduos.
O que marca as nossas sociedades é não estarmos submetidos a nenhuma religião, podendo-se adoptar uma ou outra, ou nenhuma. Ser religioso depende da consciência de cada um, da sua liberdade. Do mesmo modo, ninguém é obrigado a suportar a política do governo em exercício. Os chefes políticos são governantes transitórios, sujeitos à lei e à crítica e avaliados nas urnas. Cada um escolhe segundo a sua consciência, a sua liberdade. Por outro lado, a orientação moral não deriva de uma moral colectiva, mas de valores que cada um adopta, respeitando o mesmo direito para os outros, segundo a sua consciência, a sua liberdade. Também a vida sexual da pessoa, desde que não viole a autonomia de terceiros, é da responsabilidade da sua consciência, da sua liberdade.
O ódio que os governantes das potências autoritárias propagam relativamente ao Ocidente deve-se a este ser um mau exemplo. As sociedades ocidentais evoluíram de modo a que cada ser humano possa ser um indivíduo responsável pelos seus actos e dotado de direitos para agir em liberdade, desde que não infrinja direitos de outros. É isto que não é suportável para as lideranças políticas e religiosas do mundo submetido ao autoritarismo de tiranos e tiranetes que olham para as pessoas apenas como membros indiferenciados de um rebanho que deve obedecer, sempre e em todas as questões, ao pastor de serviço.
A liberdade, que viu a luz no Ocidente, é uma flor frágil e, na história dos seres humanos, tem sido a excepção e não a regra. A sua defesa, em todas as áreas, religião, política, moralidade, vida sexual, etc., é uma das tarefas fundamentais dos dias que correm. Defesa perante as ameaças não apenas dos inimigos externos, mas também dos que, internamente, sonham em liquidá-la, para repor nas mãos de um tirano político ou de uma igreja, ou de ambos, o controlo das vidas de cada um. Defender a liberdade é defender a existência de indivíduos que administram a sua vida conforme lhes dita a sua consciência, a sua liberdade.