Descobre-se, ao olhar a comunicação social, que o país é composto praticamente por proprietários de casas devolutas e por donos de casas utilizadas para alojamento local. O alarido perante a iniciativa governamental relativa à habitação diz muito da comunicação social, mas muito pouco sobre o país. Isto não significa que as propostas do governo não sejam discutíveis. São-no. Contudo, o problema central não será o suposto ataque ao direito de propriedade ou a limitação da iniciativa no caso do alojamento local. Em primeiro lugar, é o próprio problema da habitação que se tornou dramático. Em segundo, é a expulsão dos habitantes menos ricos das grandes – e pequenas – cidades, com a consequente descaracterização. Por fim, é o impacto político resultante do ressentimento de parte da população ao sentir-se expulsa do lugar onde sempre viveu.
Há dias foi publicado um dado relevante sobre a nossa sociedade que está condenado a provocar menos alarido, menos comentários empolgados e delirantes, menos preocupação. Trata-se do crescimento da pobreza. O caso mais impressionante, porém, é que, se não existissem apoios sociais, 45% dos portugueses viveriam na pobreza. Isto é, quase metade da população. Além do mais, muitos, se não a maioria, dos outros 55% vivem pouco acima desse limiar de pobreza. Quando se junta estes dados à situação do sistema de saúde, e a falta de profissionais, do sistema educativo, e a falta de profissionais, fica-se com uma imagem terrível de Portugal. Uma sociedade extremamente estratificada, com grandes desigualdades e com os serviços sociais em colapso. Portugal entrou na União Europeia em 1986. A adesão era vista como a única forma de o país ser viável e não ver, a prazo, a sua independência ameaçada.
Passados mais
de 35 anos, com muitos milhões de euros entrados no país, os problemas da
pobreza não foram resolvidos. Por outro lado, os direitos constitucionais à
habitação, saúde e educação encontram, cada vez mais, sérias limitações. Os
portugueses, por norma, têm grande capacidade de sobreviver nos momentos
difíceis, mas são incapazes de olhar o longo prazo, de estruturar e planear o
que virá. Os governos, como no caso da habitação, mas também noutras áreas,
improvisam, reagem aos problemas que vão surgindo, sendo incapazes de os
antecipar e evitar. A agravar tudo isto, temos uma sociedade civil débil, com
horror à política, composta por cidadãos que têm por aspiração máxima não
ficarem pior do que estão. O alarido da comunicação social em torno das casas
devolutas e do alojamento local é o outro lado da cegueira perante um país
doente e em degradação contínua.
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