É um facto que existe uma pulsão na Igreja para tentar controlar a sexualidade dos fiéis ou mesmo, caso fosse possível, de toda a gente. Enquanto se preocupa com o controlo da vida sexual dos outros, o clero – que domina toda a Igreja – sempre foi muito benevolente para com os seus, mesmo nos casos de abuso de menores, como se tem sabido. O problema, porém, não é, em primeiro lugar, um problema com a sexualidade, mas a forma como a Igreja tem sido incapaz de lidar com o mundo moderno e a autonomia dos indivíduos. Não é a sexualidade que leva parte do clero à desorientação, mas o facto de a relação com os crentes, na qual o pastor tem poder sobre as consciências, estar em contradição com sociedades onde os indivíduos são livres. Não podemos esquecer que os abusos, agora relatados pela Comissão Independente, ocorreram em relações onde, por norma, o poder eclesial do abusador se conjugava com a submissão das vítimas.
Essa relação de poder sobre as consciências está ameaçada. É essa ameaça que explica a desorientação de parte importante da hierarquia católica. Outrora, o seu poder era suficiente para ocultar as coisas desagradáveis. Agora deixou de ser. Enquanto a Igreja não compreender que a liberdade das pessoas e a autonomia da sua consciência é um bem que deve ser não só respeitado, mas cultivado, continuará a ver nos padres pastores de um rebanho de ovelhas submissas. E isto abre o caminho para todos os abusos. O que há de doentio na relação da Igreja com a sexualidade, o que há de inominável na história dos abusos, radica numa perversa relação de poder dos clérigos com os fiéis. Sem alterar esta relação, parte substancial da Igreja continuará desorientada, perdida entre o sonho do retorno a um passado de poder e dominação das consciências e os ditames de um mundo onde cada um deve guiar-se pela sua razão e não pela do prior da paróquia.
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