Willem De Kooning, Cuadro, 1948 |
Não se sabe ao certo quando aquele espaço foi
transformado numa praça, roubado às tarefas agrícolas que, noutros tempos,
ocupavam as terras que cidades belicosas invadiram, desterrando os camponeses
cada vez para mais longe. Sabe-se apenas que ali se reuniam há séculos pessoas
para se entregarem ao comércio, às paixões do mundo, ao hábito da conversa. É
essa praça antiga que ainda se suspeita sob a actual, com um enorme tabuleiro empedrado,
ladeado por duas filas de velhos plátanos, agora despidos pelas agruras das
estações. De um lado e de outro, existem cafés e bares, com as suas esplanadas
cobertas e gente, muita gente, sentada nas mesas, uns lendo os jornais, outros
a conversar, outros silenciosos olhando em frente, sem que se consiga saber qual
o destino desses olhares desavisados. A noite cai, a iluminação eléctrica cria
nuvens de luz ao misturar-se com uma chuva fina e melancólica. Entre os renques
de árvores, no empedrado do tabuleiro central, não falta gente. Casais passeiam
devagar, chapéus de chuva abertos, homens e mulheres solitários levam à trela
cães de diverso porte, que vão sacudindo a água fina que se deposita no pêlo. Um
jovem casal dá as mãos, enquanto a luz incide sobre eles, tornando-os o foco de
quem, desocupado, olha por curiosidade, por não ter mais nada para fazer, por
não saber como ocupar o tempo que antecede a hora de jantar. Depois, o casal
perde-se entre os transeuntes, enquanto a chuva fina e rala forma aglomerados
de gotas suspensas no ar, vibrando sob a luz, para cair no empedrado, nos
chapéus de chuva, nos ramos despidos dos plátanos, uma água embalada pela hora
do crepúsculo e pela vida que ainda ali freme, passados tantos séculos, mas que
mais um pouco desaparecerá, por algumas horas, quando aquela gente recolher a
casa para jantar e proteger-se das trevas da noite.
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