quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Linguagem comum


As democracias vivem do desacordo e do conflito entre perspectivas e interesses políticos divergentes. Contudo, esses desacordos e conflitos estão enraizados numa linguagem comum que permite que os projectos políticos sejam julgados pelo voto popular, sem isso representar um problema para quem defende projectos derrotados, nem dar um acréscimo de poder e de legitimidade – para além do que está na lei – a quem vence. O que surgiu, com a chegada em força da direita radical e extrema-direita, foi uma nova linguagem que não se inscreve na linguagem comum, mas que pretende aniquilar essa linguagem e impor uma outra completamente diferente, na qual os projectos políticos democráticos não tenham cabimento. 

Quando não há uma linguagem comum, o que surge não é apenas a incomunicabilidade entre as partes, mas a violência. Não se trata de derrotar os outros nas urnas, mas de utilizar eventuais vitórias nas urnas para aniquilar os outros, pervertendo o jogo democrático e, se isso não bastar, usar a perseguição política e a violência física. Basta observar o que se passa nos EUA. A Europa não é diferente dos Estados Unidos. Os eleitores – tal como aconteceu nos EUA – estão, cada vez mais, a escolher soluções radicais, políticas extremistas e a enfeitiçar-se com uma linguagem que traz violência verbal e aniquilação do outro. O espectro que assola o mundo ocidental já não é o do comunismo, mas o da guerra civil, cuja finalidade é liquidar a democracia liberal. É para uma guerra civil larvar que estes movimentos orientam a sua política, a sua comunicação e a sua formatação do eleitorado. 

Uma guerra civil pode ser fria ou quente. Uma ditadura é um guerra civil fria, em que uma parte – a que está no poder – tem as armas e a outra está desarmada. É quente quando os dois lados têm armas. Ainda é possível – pelo menos, na Europa – evitar a catástrofe, embora as notícias que vêm de França, da Alemanha e de Inglaterra não sejam animadoras. As forças democráticas parecem de mãos atadas. A destruição da linguagem comum e a consequente radicalização são processos políticos que, a partir de certa altura, fogem ao controlo dos feiticeiros que os lançaram, tornando-se uma bola de neve que ninguém controla e que arrasta tudo no seu caminho. Estamos a chegar a esse ponto. Se a democracia perder a linguagem comum que a sustenta, o que resta não é política, mas violência. A responsabilidade das forças democráticas é dupla: travar a deriva extremista e reconstruir a comunicação com os cidadãos. Sem isso, o risco não é o de perder umas eleições, mas a própria democracia e a vida decente que só ela permite.

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