Corre como se fosse uma maldição chinesa, mas é duvidosa a
origem. Diz o seguinte: “Que vivas tempos interessantes!”. Ora, não apenas os
tempos são interessantes, como muitos de nós os vivem como uma maldição. De
onde vem o interesse e de onde chega a maldição? Os tempos são interessantes
porque toda uma configuração de valores e modos de viver está a cair, como se
um grande terramoto a arrastasse para terra, transformando-a em pó. E a
maldição? Como em muitos terramotos, o
problema não é apenas o desabar das construções feitas pelo homem sob o impacto
das ondas sísmicas, mas também o que vem depois, o tsunami e os incêndios, tal
como aconteceu em Lisboa. E aquilo que estamos a assistir, ao nível dos valores
e dos modos de viver, é, ao mesmo tampo, um maremoto e um sem número de
incêndios.
O que aconteceu? Três grandes terramotos. Em primeiro lugar,
as revoltas estudantis na Europa e nos Estados Unidos, simbolizadas no Maio de
68. Puseram em causa a ordem moral existente e representaram uma libertação dos
indivíduos da tradição que os constrangia. Afirmação de um forte individualismo
em matéria de costumes. Um segundo momento, é a vitória política do
neoliberalismo, nos anos 80, com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Vitória de
um individualismo económico que destruiu o consenso social do pós-guerra e
arrastou as classes médias para a estagnação, se não para a pobreza. Por fim,
mas como complemento da vitória do neoliberalismo, a Queda do Muro de Berlim e
a morte política do comunismo, cuja ameaça, no âmbito da Guerra-Fria, levava os
políticos ocidentais a cuidarem das suas populações.
Os últimos quarenta anos representam o tsunami e os
incêndios, isto é, o processo de decomposição, tanto moral, como económico e
político, dos valores herdados no Ocidente pela vitória aliada sobre o nazismo
e o combate, posterior, ao comunismo. Aquilo que se está a assistir – e a ser
vivido por muitos como uma maldição – é, por um lado, a emergência de valores,
em nome das virtudes do conservadorismo e da tradição, que põem em causa as
liberdades individuais. Por outro, uma paradoxal forma de comunitarismo que, ao
mesmo tempo, prega os valores políticos da superioridade da comunidade e das
suas tradições míticas sobre o indivíduo, enquanto fomenta o individualismo
económico e intensifica as desigualdades sociais. Não sabemos se haverá para o
mundo ocidental, algum Marquês de Pombal que reconstrua um novo mundo, mais
amplo e luminoso. Nós somos aqueles que sofreram os terramotos e vivem ainda
dentro ou do tsunami ou dos incêndios. Vivemos a maldição e somos cegos para o
futuro.
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