segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A exumação do ditador

Barcelona bombing, 1938

Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos. Mateus 8:22

Por mais que pense no assunto, ainda não compreendi a utilidade política da exumação do ditador Francisco Franco. O que ganha o governo socialista com o acto e, mais do que isso, o que ganha Espanha em remexer num passado, o da Guerra Civil, que deixou profundos traumas de ambos os lados da barricada? É verdade que a guerra terminou há 79 anos (em 1939) e serão já poucos os espanhóis que terão memórias reais do conflito. No entanto, há muitos filhos e netos, de ambos os lados, que transportam uma memória cultural terrível.

Os espanhóis tiveram, até agora, a imensa sensatez de deixar o tempo passar, como se soubessem que só os anos podem sarar feridas muito dolorosas. Na Espanha democrática, os descendentes políticos dos derrotados da guerra civil já governaram diversas vezes, sem qualquer problema. Retirar Franco do Vale dos caídos, independentemente da pertinência das justificações, é atiçar uma fogueira que se deveria extinguir.

Se o general Juan Chicharro (presidente da Fundação Francisco Franco) tiver razão, se estivermos perante uma manobra para desviar a atenção dos reais problemas que Espanha enfrenta, estaremos perante uma conduta absolutamente oportunista. Se Pedro Sánchez acha que o deve fazer por motivos ideológicos, como uma forma de compensação dos derrotados, uma espécie de vingança ou de reescrita da história, o mais provável é que esteja a reabrir feridas que começavam a ficar esquecidas, o que é, no mínimo, irresponsável.

O que ressalta de tudo isto é a falta de densidade política do actual Presidente do governo Espanhol. Não é os vivos que o preocupam, mas o lugar do morto. Quer sepultar de novo o ditador, não compreendendo que ele mesmo é um morto, um daqueles a quem Mateus se referia quando punha na boca de Cristo a frase Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos. Os nossos vizinhos já passaram por melhores dias. Uma crise sem fim à vista na Catalunha, uma tentativa de reacender os velhos ódios, que o talento de Adolfo Suárez e de Santiago Carrillo começaram a apagar há mais de 40 anos, e, à frente do governo, um morto preocupado com os mortos.

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