Mark Rothko, N.º 15, 1957
Despidas pela invernia, as árvores bordejam o canal. A água desliza
inquieta, banhada no silêncio da manhã. Um barco encosta-se à margem. Saem e
entram passageiros, enquanto ele sobe e desce levado pela ténue ondulação. A
luz fosca do sol de Inverno ilumina as ruas, toca o emaranhado dos ramos,
desliza pelos troncos e dá um brilho esquivo ao chão, ainda molhado pelas
chuvas da noite. Um carro, estacionado, parece querer inclinar-se para as
águas, enquanto outro, vindo sabe-se lá de onde, passa sorrateiro, sem pressa,
como se o tempo tivesse abrandado a sua corrida para o futuro. Um homem, de
bicicleta, olha para a direita, espreita o carro, mede sem furor o poder do
inimigo. Um outro, empurra a sua à mão, dá a viagem por terminada, procura um
lugar onde a máquina possa descansar. No passeio, afastadas vinte metros, duas
mulheres, vestidas de negro, caminham, olhos no chão, os ombros levemente
curvados. Uma pára diante de uma janela e conversa com uma rapariga, enquanto a
outra, a que vinha atrás, passa por ela e perde-se no fim da rua. Um sino ecoa
ao longe, fende o silêncio, mas ninguém parece ouvi-lo. Os motores do barco
começam a trabalhar e logo este se afasta, desliza sedicioso pelo canal. Uma
criança aproxima-se da margem e aponta para a embarcação, depois olha para trás
e chama pela mãe. Nas casas, há tabuletas penduradas. Anunciam as necessidades da
vida. Uma padaria, uma mercearia, uma drogaria. O passado sobrevive na humidade
da rua, enquanto o som de uma campainha assinala a presença de uma nova mulher,
vinda daquele lugar de onde chegam os seres cuja origem é um mistério. A
esteira aberta pelo barco dissolve-se e as águas do canal adormecem batidas
pela solidão do sol. A manhã caminha devagar para o meio-dia.
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