terça-feira, 4 de setembro de 2018

A decência do possível e a loucura do impossível

Giorgio de Chirico, Melancholy of a Beautiful Day, 1913

A esquerda que se situa à esquerda da social-democracia tem dois exemplos, na vida política actual, que valem a pena serem meditados e compreendidos no seu significado profundo. Por um lado, o caso grego e, por outro, a Venezuela. Estes dois casos relacionam-se exemplarmente, embora de forma antagónica, com a frase atribuída a Otto von Bismarck que afirma ser a política a arte do possível. Como sublinha o filósofo alemão Peter Sloterdijk (Dans le même bateau), esta perspectiva relaciona-se com os actores políticos que são politicamente adultos, aqueles que agem segundo o possível, e aqueles que permaneceram crianças deslumbradas pelo impossível.

O Syriza de Alexis Tsipras, na Grécia, chegou ao poder com um programa de deslumbramento e alimentado pelo desejo do impossível. Preso ao sonho alimentado na oposição, conduziu o país à porta da saída do Euro e, nesse momento crucial, Tsipras deu provas de uma maturidade política impensável. Entre o duro caminho daquilo que era possível fazer e a utopia que, por milagre, transformaria – imaginava-se – impossíveis em realidade, despediu a utopia, os seus representantes, e decidiu trilhar o dificílimo caminho do possível. Por muito rude que seja o caminho dos gregos, Tsipras encontrou uma abertura para um futuro mais decente. Mais decente não significa paradisíaco, mas apenas que pode não ser infernal.

Inferno é aquilo em que a Venezuela se transformou, com a chamada revolução bolivarista de Chávez e Maduro. A utopia bolivarista estava ancorada, como todas as utopias políticas, num desejo do impossível, numa desadequação dos objectivos políticos com a realidade existente. O resultado é aquele que está à vista de toda a gente. Não é que a situação anterior ao chavismo fosse paradisíaca. Não era. Aliás a situação normal da América Latina varia entre o duro purgatório e o inferno, com breves e esporádicas passagens pelo limbo. No entanto, o desejo do impossível, essa infantilidade política que anima certos sectores de esquerda, transformou o duro purgatório num inferno insuportável.

Não se pense, por outro lado, que a questão da política do possível se relaciona apenas com os meios para chegar a um certo destino político, à sociedade socialista onde desapareceria a exploração do homem pelo homem, digamos assim. O problema está mesmo nesse fim. Não se trata de trazer à terra uma sociedade perfeita, onde a justiça reinaria de forma absoluta sobre o egoísmo humano, mas de, paulatinamente, promover sociedades menos injustas, tornando as pessoas mais fortes, mais capazes de gerirem a sua vida, de fazerem frente às armadilhas que o destino – seja a natureza ou a sociedade – lhes estende. Entre a loucura do impossível e a decência do possível, por certo que a generalidade das pessoas agradece que a dispensem de aventuras que acabam sempre na falta de liberdade e de comida na mesa.

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