Giorgio de Chirico, Melancholy of a Beautiful Day, 1913
A esquerda que se situa à esquerda da social-democracia tem
dois exemplos, na vida política actual, que valem a pena serem meditados e
compreendidos no seu significado profundo. Por um lado, o caso grego e, por
outro, a Venezuela. Estes dois casos relacionam-se exemplarmente, embora de
forma antagónica, com a frase atribuída a Otto von Bismarck que afirma ser a
política a arte do possível. Como sublinha o filósofo alemão Peter Sloterdijk (Dans le même bateau), esta perspectiva
relaciona-se com os actores políticos que são politicamente adultos, aqueles
que agem segundo o possível, e aqueles que permaneceram crianças deslumbradas
pelo impossível.
O Syriza de Alexis Tsipras, na Grécia, chegou ao poder com
um programa de deslumbramento e alimentado pelo desejo do impossível. Preso ao
sonho alimentado na oposição, conduziu o país à porta da saída do Euro e,
nesse momento crucial, Tsipras deu provas de uma maturidade política
impensável. Entre o duro caminho daquilo que era possível fazer e a utopia que,
por milagre, transformaria – imaginava-se – impossíveis em realidade, despediu
a utopia, os seus representantes, e decidiu trilhar o dificílimo caminho do
possível. Por muito rude que seja o caminho dos gregos, Tsipras encontrou uma
abertura para um futuro mais decente. Mais decente não significa paradisíaco,
mas apenas que pode não ser infernal.
Inferno é aquilo em que a Venezuela se transformou, com a
chamada revolução bolivarista de Chávez e Maduro. A utopia bolivarista estava
ancorada, como todas as utopias políticas, num desejo do impossível, numa
desadequação dos objectivos políticos com a realidade existente. O resultado é
aquele que está à vista de toda a gente. Não é que a situação anterior ao
chavismo fosse paradisíaca. Não era. Aliás a situação normal da América Latina
varia entre o duro purgatório e o inferno, com breves e esporádicas passagens
pelo limbo. No entanto, o desejo do impossível, essa infantilidade política que
anima certos sectores de esquerda, transformou o duro purgatório num inferno
insuportável.
Não se pense, por outro lado, que a questão da política do
possível se relaciona apenas com os meios para chegar a um certo destino
político, à sociedade socialista onde desapareceria a exploração do homem pelo
homem, digamos assim. O problema está mesmo nesse fim. Não se trata de trazer à
terra uma sociedade perfeita, onde a justiça reinaria de forma absoluta sobre o
egoísmo humano, mas de, paulatinamente, promover sociedades menos injustas,
tornando as pessoas mais fortes, mais capazes de gerirem a sua vida, de fazerem
frente às armadilhas que o destino – seja a natureza ou a sociedade – lhes estende.
Entre a loucura do impossível e a decência do possível, por certo que a
generalidade das pessoas agradece que a dispensem de aventuras que acabam
sempre na falta de liberdade e de comida na mesa.
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