Antes de ser editado em livro pela Grasset em 1933, O Mistério dos Frontenac (Le Mystère Frontenac), de François
Mauriac, foi publicado em cinco folhetins na La Revue de Paris, entre Dezembro de 1932 e Fevereiro de 1933. A
tradução portuguesa, de Luís Forjaz Trigueiros, que também assina um prefácio,
é de 1956, publicada pela Editora Ulisseia. O tempo da narrativa é o da segunda
década do século XX, no período que antecede a Grande Guerra de 1914-1918.
Apesar das personagens relevantes possuírem contornos delineados e
diferenciados, que os individualizam, a obra de Mauriac põe em acção uma
personagem colectiva, a família Frontenac. Esta opção narrativa indica de
imediato uma visão que não se confunde nem com as glórias individualistas da
cosmovisão liberal nem com as preocupações sociais da mundividência socialista.
O mundo que emerge do romance é tipicamente burguês mas de tonalidade católica.
A família não deve ser entendida apenas no sentido biológico
e afectivo, mas como pedra angular do mundo burguês, isto é, num sentido social.
É nela que uma certa relação com o mundo dos negócios se preserva e se
transmite de geração em geração. Do ponto de vista histórico, as velhas
tradições sociais ligadas aos estados sociais foram aniquiladas pela Revolução
Francesa, nos finais do século XVIII. A única tradição viva é a do terceiro estado
e é na família que ela se transmite, não a todos os membros, mas a um deles que
acaba por ter um papel patriarcal, cuidando dos negócios e dos outros membros. A
família, enquanto veículo de tradição, encontra o seu fundamento na fé
religiosa. A comunidade biológica é trabalhada e metamorfoseada pela comunhão espiritual,
pelas crenças e ritos que solidificam a volubilidade das ligações naturais.
A família Frontenac, tal como aparece no livro, é já uma
família amputada. Michel Frontenac morre jovem e deixa a sua mulher, Blanche,
com cinco filhos. Três rapazes e duas raparigas. Há também Xavier Frontenac,
irmão do falecido Michel. A narrativa estrutura-se em torno de quatro
personagens. Blanche, que apenas é Frontenac pelo casamento, Xavier e dois dos
rapazes, o mais velho Jean-Louis e Yves. É neste quarteto que Mauriac tece as
linhas do espírito de família, mostrando também as suas contradições e os
eventuais pontos de fuga. De certa maneira, em todas estas personagens existem
pontos de fuga, que ameaçam a tradição e podem pôr em causa a própria família.
No entanto, o poder de atracção é de tal maneira poderoso que acaba por debelar
as ameaças que a vida e a passagem do tempo colocam ao clã.
Se se pretender fazer uma leitura do título da obra, o mistério
dos Frontenac é esse poder atractor dos vínculos da família burguesa. Esse
poder é misterioso pois não reside naquilo que pode ser explicado apenas pela
razão. Não são os interesses económicos, por exemplo, que justificam que a
família seja observada como uma personalidade – e, romanescamente, como
personagem. Não é também, a mera dimensão biológica – acrescida pelo
desenvolvimento de laços de afecto – que explica aquele clã. É como se existisse
um espírito vindo do passado, no qual Blanche se integra e assume como seu, que
encarna nos diversos membros e lhes dá coerência e coesão. Esse espírito – talvez
o espírito dos antepassados – não se deixa apreender pelo olhar frio a
analítico da razão, mostrando-se apenas numa cultura comum, onde a religião
possui um papel central, e nos afectos que devem ser compreendidos como
indicadores de reconhecimento de pertença a uma mesma pátria, com os seus
costumes e linguagem.
O romance tematiza os diversos pontos de fuga das
personagens centrais. A vida misteriosa do tio Xavier em Angoulême e, depois,
em Paris, sempre longe dos seus familiares, que protege e cujos bens defende. A
sombra da morte que, premonitoriamente, paira sobre Blanche, a matriarca que
vinda de fora encarna o espírito da família. O delíquio intelectual de
Jean-Louis, o mais velho dos irmãos Frontenac, que tem a ousadia de pensar em
ir estudar Filosofia e fazer vida de académico. A natureza mística e poética do
adolescente Yves, que se transmuta em dândi na juventude. Em todos eles
compreende-se a existência de forças obscuras de dissolução, mas o mistério da
família permite-lhes chegar unidos a esse momento crucial da História da Europa,
a primeira Grande Guerra, onde todos os laços do mundo antigo se dissolvem.
Belíssima análise. Me ajudou a encontrar as chaves de compreensão da obra.
ResponderEliminarObrigado.
Eliminar