Francisco Arjona, ¡Adelante con la duda!, 1985
Da iluminação eléctrica desprendem-se vagos clarões que tecem sombras
fantasmagóricas pela rua. A noite, escura e densa, é assim perturbada pelas
reminiscências da luz, enquanto a vida se desenrola, imperturbável e marcada
pelos imperativos do dever ou do prazer, nessa atmosfera aquosa das cidades banhadas
pelo oceano da noite. Encostados a uma grade, uma mulher e um homem conversam.
Os gestos são contidos e as palavras mais que pronunciadas lembram o murmúrio
longínquo do mar sonhado nos dias de infância. Os carros, atrelados aos faróis
que fendem a sombra da cidade, passam devagar, cruzam-se e quase reverentes
parecem, na sua rigidez mecânica, inclinarem-se uns para os outros em vénia
respeitosa. Num banco de madeira e ferro forjado, desses que a vida urbana
oferece aos transeuntes para descansarem dos seus devaneios, está sentada uma
mulher. Um casaco comprido esconde-lhe o corpo e a mala de viagem, que descansa
aos pés, indica a iminência de uma partida. Um lenço de cor suave, apertado sob
o queixo, tece um acentuado contraste com o cabelo negro. Do rosto sobressaem
uns olhos grandes e escuros, em estado de vigília, e uns lábios de onde
transborda uma mescla de sensualidade e tristeza, um convite ao enternecimento
de um coração que por ali passe. O corpo curvado para diante deixa as mãos, esguias
e desamparadas, repousar sobre as pernas, com os dedos flectidos, numa
irresolução entre o cerrá-los com fúria ou abri-los sem pudor. Carros e pessoas
passam diante dela, mas, imóvel, todo o seu ser concentra-se na entrada de uma
casa, de onde ninguém sai. A maresia da noite toca-a e ela flutua no aquário em
que, como um peixe solitário perdido nas águas, espera a vinda de quem a
resgate à demorada solidão que desce do seu olhar.
Lido com interesse.
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Muito obrigado.
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