sexta-feira, 19 de abril de 2019

Descrições fenomenológicas 41. A espera

Francisco Arjona, ¡Adelante con la duda!, 1985

Da iluminação eléctrica desprendem-se vagos clarões que tecem sombras fantasmagóricas pela rua. A noite, escura e densa, é assim perturbada pelas reminiscências da luz, enquanto a vida se desenrola, imperturbável e marcada pelos imperativos do dever ou do prazer, nessa atmosfera aquosa das cidades banhadas pelo oceano da noite. Encostados a uma grade, uma mulher e um homem conversam. Os gestos são contidos e as palavras mais que pronunciadas lembram o murmúrio longínquo do mar sonhado nos dias de infância. Os carros, atrelados aos faróis que fendem a sombra da cidade, passam devagar, cruzam-se e quase reverentes parecem, na sua rigidez mecânica, inclinarem-se uns para os outros em vénia respeitosa. Num banco de madeira e ferro forjado, desses que a vida urbana oferece aos transeuntes para descansarem dos seus devaneios, está sentada uma mulher. Um casaco comprido esconde-lhe o corpo e a mala de viagem, que descansa aos pés, indica a iminência de uma partida. Um lenço de cor suave, apertado sob o queixo, tece um acentuado contraste com o cabelo negro. Do rosto sobressaem uns olhos grandes e escuros, em estado de vigília, e uns lábios de onde transborda uma mescla de sensualidade e tristeza, um convite ao enternecimento de um coração que por ali passe. O corpo curvado para diante deixa as mãos, esguias e desamparadas, repousar sobre as pernas, com os dedos flectidos, numa irresolução entre o cerrá-los com fúria ou abri-los sem pudor. Carros e pessoas passam diante dela, mas, imóvel, todo o seu ser concentra-se na entrada de uma casa, de onde ninguém sai. A maresia da noite toca-a e ela flutua no aquário em que, como um peixe solitário perdido nas águas, espera a vinda de quem a resgate à demorada solidão que desce do seu olhar.

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