Um dos principais problemas que se levanta a quem quer
conhecer a realidade para lidar com ela é o fascínio exercido pelas palavras. Esse
fascínio logo se transforma em cegueira. É o que se passa no mundo da política.
Veja-se o caso português. A retórica política usada pelos partidos de poder,
mas mais claramente nos de direita, encostava tanto o BE como o PCP à
extrema-esquerda. Como partidos extremistas, não poderiam nunca chegar ao poder
ou sustentar um governo moderado no parlamento. A verdade, porém, é que há
muito as soluções políticas propostas tanto pelo PCP como BE têm um cariz
social-democrata e reformista. A designação de extrema-esquerda cegou a direita
portuguesa e não a deixou perceber a realidade. Foi isso que tornou penoso o
comportamento de Passos Coelho quando a geringonça tomou conta da governação do
país. Ele não compreendia o que se passava porque estava cego pela retórica que
usava.
Esta cegueira não existe apenas em Portugal. Europa fora, a
retórica política está fascinada com a extrema-direita. O rótulo, espera-se,
deverá ser suficiente para afastar o eleitorado desses partidos que estão a
emergir por todo o lado. Pensa-se que basta fazer uma ligação memorial ao
fascismo e ao nazismo para que os cidadãos corram a abrigar-se nos braços dos
partidos tradicionais. Enquanto isso, enquanto se usam rótulos e se apela a
memórias que já são de muito poucos, fica-se cego para o que está a deslocar
largas massas de eleitores para as soluções políticas adversas ao mainstream que tem governado o Ocidente
nas últimas décadas. Ainda há dias as eleições regionais holandesas foram
ganhas pelo Fórum para a Democracia,
um partido recente e, também ele, qualificado como de extrema-direita.
Essas soluções políticas estão a crescer em votos e isso tem
um significado que não se quer ver. Os eleitorados estão cansados e agastados
com o que os partidos tradicionais têm para lhes propor. E isto, hoje em dia,
não diz apenas respeito às questões económicas, embora estas sejam importantes,
mas também às questões culturais e civilizacionais. O conjunto de alterações
provenientes da globalização e as rupturas culturais (as causas fracturantes, por
exemplo) estão a deixar os eleitores inseguros. Os partidos políticos
tradicionais não perceberam que estavam a ir longe de mais, que os cidadãos não
os acompanhavam. Cegos pelo fascínio que a designação extrema-direita exerce,
não viram os eleitores a afastarem-se e a acolher-se nos braços dos que deveriam
não ter votos só porque, num acto mágico, se lhes cola um rótulo e se utiliza
esse rótulo como um mantra.
[A minha crónica em A Barca de Abril]
Excelente ensaio.
ResponderEliminarUm abraço
Muito obrigado.
EliminarAbraço