Mark Tobey, À Cheval la Nuit, 1958
Ao longe, distingue-se o ondulado azul-cinza das montanhas, fronteira
de pedra e arvoredo a apartar dois mundos cuja inimizade cintilasse num desejo de
eterna separação, na rememoração de ofensas incompreensíveis e inaceitáveis,
num ódio sempre fresco, que nem o passar dos séculos nem os imperativos do
afastamento minimizam. Sobre o dorso montanhoso, ergue-se, com fulgurações de
ouro e ocre, um sol que se intromete entre as nuvens, para reinar sobre a terra
e, dadivoso, deixar os raios tocar as ervas e a neblina, criando, nos olhos do
espectador, reinos ilusórios e desejos nunca saciados de descobrir os mundos
que se escondem por detrás daquele em que vivemos. Subitamente, irrompe no
planalto uma carroça de duas rodas puxada por dois cavalos, logo seguida de
outra e mais outra, e ainda outras, num estranho cortejo, a que a luz solar
empresta tonalidades fantasmagóricas, como se aquela procissão tivesse emergido
do magma do passado, fugido de um campo de batalha, e seguisse um destino não
esperado por aqueles que, dentro dos veículos, são assim arrastados para fora
do seu mundo. A poeira cobre-lhes rosto e roupas. Quem os observe nunca terá a
certeza se são homens ou epifanias de deuses que a história declarara mortos. O
trote dos cavalos depressa fez desaparecer os viajantes numa curva apertada do
caminho. O ruído das rodas e o vozear incompreensível atenua-se até se apagar.
Quando o silêncio cai sobre a terra, nuvens negras cobrem o sol. Ouve-se o
regougar longínquo de uma raposa e um par de corvos voa de uma para outra
árvore. A noite, tensa e ameaçadora, cai. É meio-dia.
Muito bom.
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Muito obrigado.
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