De todas as coisas que chocam com o espírito de Natal a
menor delas não será as iluminações natalícias. Começaram nos grandes centros
urbanos e espalharam-se paulatinamente por todo o lado. Com a sua democratização,
grandes e pequenas cidades transformaram o Natal numa espécie de Carnaval,
muitas vezes de péssimo gosto. As iluminações fazem parte de uma estratégia –
gerada espontaneamente ou pela mão invisível do mercado – cujo resultado é
rasurar tudo aquilo que é central no Natal dos cristãos, o mistério de Deus que
se faz homem num estábulo de Belém.
A degradação do Natal tem uma origem curiosa. A
racionalização do mistério da encarnação, a leitura literal da história narrada
no evangelho de Lucas, a transformação do cristianismo numa moral social, agora
em conflito com outras morais sociais, todas estas coisas fizeram do Natal não
um acontecimento a ser vivido por cada um mas uma data comemorativa, uma
espécie de feriado cívico de âmbito civilizacional. Comemora-se o Natal no
mundo cristão como se comemora a tomada da Bastilha em França, o 4 de Julho nos
EUA ou o 25 de Abril em Portugal. Uma grande festa, um momento feérico e uma
orgia de consumo, tudo às avessas da história narrada pelo evangelista.
A modernidade, o espírito das Luzes, o triunfo da ciência e da
economia de mercado são factores que contribuíram para o desencantamento do
mundo, para a perda de sentido tanto dos mitos como dos mistérios religiosos. O
cristianismo era, na sua origem, uma religião mistérica, um programa
existencial para que cada homem se transformasse em Cristo. Tudo isto se
tornou, há muito, radicalmente estranho a todos nós ocidentais, sejamos ateus,
agnósticos ou crentes. Mesmo numa época como a nossa em que a irracionalidade
das crenças e dos comportamentos cresce rapidamente, em que as próprias Luzes
parecem querer apagar-se, o mistério da encarnação perdeu o sentido,
tornando-se o Natal num exercício fastidioso de compras, encontros e
desencontros.
As iluminações natalícias são o sintoma de que o Natal está
morto no mundo ocidental. A luz de Belém foi substituída pelo néon que anima o
espírito duma época que fez da compra e da venda a razão suprema e o sentido
último da vida dos homens. Ao perder-se a substância do acontecimento, ao
ficar-nos vedada a capacidade de compreensão dos símbolos que se manifestam no
Advento, resta-nos fingir uma grande alegria embrulhada em presentes, almoços e
jantares e nessas iluminações que deixam em nós um desconsolo irreparável. Um
bom Natal.
[A minha crónica natalícia em A Barca]
[A minha crónica natalícia em A Barca]
Mais uma afirmação da sociedade do espectáculo...
ResponderEliminarÉ verdade, Eugénio.
EliminarUm Feliz Natal.
Abraço