Camille Pissarro - Huerta y Arboles en Flor, Primavera, Pontoise (1877)
Tinha seleccionado este quadro do impressionista Camille Pissarro com uma outra intenção. Ao demorar, porém, o olhar sobre ele, uma estranha e inquietante sensação foi tomando conta de mim. Uma sensação compósita. Um sentimento de familiariedade com a paisagem primaveril combina-se com uma certeza, marcada pela evidência, de que o mundo não tornará a ser assim. Nunca estive em Pontoise e o quadro foi pintado quase 80 anos antes de eu nascer. Contudo, há nele a reverberação de um mundo que eu, há muito, cheguei a conhecer e que, descubro-o agora, amei. Hortas e árvores em flor continuam a existir, bem como a Primavera, mas o quadro de Pissarro ainda retrata um mundo não contaminado, pelo menos na aparência, pela indústria, um mundo que tinha a capacidade de se renovar em cada Primavera e, dessa maneira, tornar-se novo e ingénuo, pronto para todos os recomeços. A nostalgia nasce desse tempo em que tudo podia recomeçar, em que nunca era tarde. A Primavera virá, mas a linha do tempo deixou de ser circular, tornou-se uma recta que, tirânica, nunca permite o retorno. Em 1882, cinco anos depois, Nietzsche, em A Gaia Ciência, ainda pôde enunciar a sua tese do eterno retorno do mesmo - essa assombração para o homem desvitalizado -, pois o retorno ainda era perceptível no movimento da natureza. Mas quem, nos dias de hoje, poderia entregar-se ao supremo exercício de nostalgia e julgar a vida através da alegoria de um eterno retorno do mesmo?
Mas não foi Nietzsche que disse, que a vantagem de uma má memória é podermos "regressar" várias vezes às mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez?
ResponderEliminarAbraço
Mas em tempos de revolução informática como é possível ter má memória? No tempo de Nietzsche, isso era possível. Hoje, quando a memória não funciona, é substituída por próteses. O regresso foi-nos impedido.
EliminarBoa! O regresso foi-nos impedido, mas o retrocesso está aí visível e implacável.
ResponderEliminarTambém não há retrocesso. Isso sentido quando vigorava a ideia de progresso moral da humanidade. Hoje ninguém acredita nisso. O que existe é a volúpia pelo futuro, é esse que nos atrai. As diferenciações que se notam estão ligada à velocidade dos corredores. Há umas décadas, usava-se a metáfora do comboio da história. Hoje ninguém fala do TGV da história, pois as coisas passam-se à velocidade da luz (os milissegundos que leva a deslocar o dinheiro de um síto do planeta para outro a milhares de kms de distância. As coisas não retrocedem, apenas abandonam os homens ao seu destino e isso é que o problema
EliminarAbraço
Hum, não sei não...há muita gente a regressar aos campos, a preferir o bucolismo à urbe a alta velocidade...continuo a «ter» sítios assim, um pouco por Portugal fora e não só...e penso que Nietzsche tinha razão em relação ao retorno...o que sinto ao contemplar quadros como este de Pissarro é a vontade intensa de lá voltar...
ResponderEliminarRegressar aos campos nada tem de bucólico, pode crer. Mesmo que o sentimento motivador seja esse, a realidade logo tornará claro que não existe qualquer "locus amoenus". Muitas vezes descobre-se mesmo um "locus horrendus".
EliminarO «locus amoenus» tem sempre em si o «horrendus»...mas existem muitíssimos casos em que o primeiro prevalece, apesar de tudo.
ResponderEliminarEu tenho, claro, uma relação difícil com o campo.
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