A minha crónica semanal no Jornal Torrejano.
Tem-se ouvido um crescente apelo a um novo contrato
social. A ideia de contrato social provém das teorias contratualistas
dos séculos XVII (Hobbes e Locke) e XVIII (Rousseau e Kant) e
ficcionaliza a transição de um hipotético estado de natureza para um
estado civil, politicamente determinado. Subjacente às teorias do
contrato social reside a ideia de a sociedade ser um empreendimento
cooperativo. As pessoas vivem em sociedade para cooperarem umas com as
outras, e assim poderem usufruir de uma vida mais agradável e
enfrentarem as adversidades da existência.
O problema que se coloca é o da relação entre aquilo que cada um deve
dar e receber dessa cooperação. É o que está em jogo na actual vaga
reivindicativa desse novo contrato social. Economistas mainstream,
jornalistas de ideias feitas, banqueiros irrequietos, empresários
imaginativos, certos políticos comprometidos com o actual estado de
coisas, intelectuais submissos aos interesses dos poderosos, toda esta
gente acordou para a ideia e, enquanto vão destruindo o contrato social
em vigor, reivindica um novo. A reivindicação deste novo contrato social
não passa de um eufemismo para o seu grande desiderato, a revisão da
constituição da República.
O que significa a pretensão de toda esta gente? Significa rever
as regras de distribuição de encargos e de benefícios da cooperação
social. Os apologistas de um novo contrato social acham que a
generalidade das pessoas recebe demasiados bens e que a pequena minoria
dos mais ricos está a ser prejudicada pelo actual contrato. Não só acham
que os salários (uns dos mais miseráveis da Europa) são demasiado
elevados como pensam que se distribui demasiado dinheiro à população
através dos sistemas de Saúde, Educação e Protecção Social.
Como não existe nenhum critério fiável e neutro que permita medir
o que cada um dá na cooperação social, a distribuição de encargos e de
proventos é feita segundo a relação de forças entre as partes. A
reivindicação de um novo contrato social faz parte da estratégia dos
mais fortes da sociedade, mas muito menos numerosos, para diminuírem
drasticamente o que os outros, em muito maior número, recebem e, dessa
forma, aumentarem os seus rendimentos. Como fica mal a guerra civil e as
ditaduras ainda não voltaram a estar na moda, as elites económicas e
sociais tecem um jogo de ilusões para que a maioria das pessoas aceite
como bom aquilo que as prejudica. Falar de um novo contrato social
significa dizer às pessoas: sejam tolerantes, aceitem ser mais pobres
porque nós queremos ser mais ricos e o dinheiro gasto convosco é mal
empregado.
Excelente! Um texto certeiro.
ResponderEliminarAfinal eles (os do segundo parágrafo) também sonham, sobretudo em pôr fim a essa "absurdidade" que é a existência do Estado Social e, claro, ao direito ao salário...
Bom fim-de-semana
Um abraço
Eles não sonham, eles agem umas vezes na obscuridade outras à luz do dia. Nunca estão parados.
EliminarBom fim-de-semana.
Abraço.