Vi na televisão leituras do pontificado de Bento XVI
absolutamente vergonhosas. O pobre homem, se se desse crédito a essas
palavras, não passaria de um idiota e o seu papado teria sido a coisa
mais espúria acontecida à Igreja de Roma. Joseph Ratzinger tem três
espécies de detractores. Fora da Igreja, aqueles que sempre estão contra
tudo o que emana do Vaticano. Dentro da Igreja, os movimentos que
gostariam de uma abertura radical às suas pretensões e aqueles que têm
por modelo de Papa o pietismo sentimental de Karol Wojtyla.
Bento XVI, ao contrário de João Paulo II, não é um político. É um
intelectual puro, um homem dado ao estudo e à reflexão, um homem da
Razão e não do sentimento. E é esta marca que ele deixa. As suas
encíclicas são documentos profundos e esclarecedores. São textos que
abrem caminhos de discussão e de meditação. Por outro lado, a
preocupação com a Fé e a Razão fez-lhe lançar pontes tanto com outras
confissões cristãs como com outras religiões, assim como permitiu
incrementar o diálogo com a ciência moderna. Os encontros que
estabeleceu com a Igreja Ortodoxa parecem-me mais do que meros encontros
ecuménicos. Há neles um claro sinal de preocupação com a unidade dos
cristãos para enfrentar os graves problemas trazidos pelo triunfo, nas
sociedades ocidentais, das ideologias ultraliberais.
Teve uma das mais espinhosas tarefas que couberam a um Papa, a de
fazer frente aos escândalos de pedofilia na Igreja Católica. Foi no seu
papado que o problema foi enfrentado e que, pela primeira vez, foram
tomadas medidas severas para combater o hediondo fenómeno.
Gostava, por fim, de sublinhar duas vertentes do seu pensamento e
da sua acção. Em primeiro lugar, a questão da Europa. Bento XVI talvez
seja a personalidade europeia que melhor noção tem da encruzilhada em
que nossa civilização se encontra. Vale a pena ler os seus livros sobre o
assunto. Depois, a grande atenção que é dada, durante o seu
pontificado, aos problemas sociais, à degradação das condições de vida
dos trabalhadores, aos pobres e desvalidos do mundo.
Se o pontificado de João Paulo II representou a derrota dos
regimes comunistas e o florescimento de uma piedade popular de cariz
sentimental, o de Bento XVI é um pontificado menos espectacular, mais
secreto, mas talvez tenha lançado os alicerces para enfrentar os
excessos introduzidos pelas sociedades de mercado e para promover o
diálogo com os homens e as mulheres modernos, com aqueles que crêem na
autonomia da razão e na autodeterminação da vontade. Muitas vezes o que
não se vê é mais determinante do que aquilo que todos vêem.
Li com interesse, como é hábito.
ResponderEliminarQuestões de ordem ética, de boa educação e, sobretudo, de respeito pela opinião expressa, impedem-me de comentar. Aliás, nem sei se teria competência para tal.
Bom fim-de-semana
Um abraço
O respeito pela opinião não implica concordância. Depois, muitas vezes as discordâncias nascem do ponto de vista de onde se olha as coisas. E isto não tem a ver com a crença ou descrença religiosa, que para o caso não é relevante.
EliminarAbraço
Bom fim-de-semana
Comentário muito interessante que me vai levar a ler o Papa coisa que não fiz até hoje.
ResponderEliminarJoão Forjaz Vieira
É uma leitura sempre bastante enriquecedora. Muita informação e profundidade de pensamento.
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