Durante algum tempo pensou-se que o mundo caminhava
inexoravelmente para a democratização dos regimes políticos. A terceira vaga de
democratizações, iniciada em Portugal em 1974 e que se prolongou não apenas na
Europa do Sul, mas na do Leste, com o fim dos regimes comunistas, e na América
Latina, parecia indicar estar-se num processo irreversível. Olhar hoje em dia
para essas expectativas é perceber não apenas quanto se estava errado mas
também a própria fragilidade das democracias liberais, isto é, daquelas que
aliam à democracia representativa um Estado de direito, com separação de
poderes.
O ataque aos regimes demo-liberais ocidentais, vindo de
dentro deles próprios e que em Portugal só agora se começa a esboçar, é de tal
maneira grande que, nos dias que correm, o tradicional e estruturante conflito
entre direita e esquerda, apesar de continuar importante, cede diante da
necessidade de concentrar esforços na preservação do bem maior que é o regime
democrático, a possibilidade de haver alternância no poder, de os que o
conquistam não persigam os seus adversários, enfim que a política não se torne
presa dos conceitos de amigo e inimigo, isto é, do prenúncio ou do Estado
autoritário ou da guerra civil.
A existência de uma democracia liberal não é uma evidência e
não é um destino que esteja fatalmente no horizonte de qualquer Estado. Se
olharmos para a história política da humanidade, percebemos que a democracia é
quase um acontecimento excepcional, uma espécie de milagre laico da razão
humana. As democracias representativas exigem certas condições sociais,
políticas e culturais e, para além disso, o esforço dos cidadãos em limitar a
sua frustração quando as suas ideias perdem e o seu júbilo quando ganham. Uma
vitória em democracia não é nem o esmagamento dos adversários nem uma carta de
alforria aos que ganham para fazerem o que querem. Uma derrota não é uma
condenação. A democracia liberal nasce do esforço para cultivar limites ao
poder.
O problema é que nós seres humanos possuímos, ao lado de uma
propensão para a vida civilizada, uma não menor inclinação para a barbárie. Por
vezes, como acontece nestes dias um pouco por todo o mundo ocidental, não
suportamos as regras civilizadas e, perante o ressentimento e a frustração das
nossas expectativas, o bárbaro que há em nós começa a abrir a boca e a agir em
conformidade. Esta situação denota que o contrato social que sustentou as
democracias se rompeu. É a reconstrução desse contrato que deverá unir todos
aqueles que, à direita e à esquerda, crêem na superioridade civilizacional dos
regimes demo-liberais.
A superioridade civilizacional dos regimes demo-liberais acabou por parir o bárbaro -Humberto Ecco chamou-lhe fascismozinho reles- que há em nós e não se vislumbra qualquer alternativa nos tempos mais próximos.
ResponderEliminarUm abraço
Não me parece que o bárbaro que há em nós seja parido pelos regimes demo-liberais. O que é de espantar é que eles existam apesar do bárbaro que há em nós, muito mais antigo que os ditos regimes.
EliminarAbraço