Pablo Picasso - Minotauro y yegua muerta delante de una gruta y niña con velo (1936)
Por que motivo deve haver um acordo generoso entre os credores e a
Grécia? Por que motivo é muito provável que não haja acordo nenhum? Para
responder a estas duas questões precisamos de compreender a natureza do problema
grego. Aparentemente, o problema grego é financeiro, a enorme dívida e a
necessidade urgentíssima de dinheiro para o dia-a-dia. Isto é só a aparência do
problema. O verdadeiro problema grego é político e tem duas vertentes. Uma
vertente política interna e outra externa.
Internamente, o que se passa, neste momento, é que as instituições
políticas gregas são muito frágeis. Dezenas de anos de corrupção, ausência de
uma máquina fiscal a funcionar, o uso e o abuso do Estado e dos bens públicos
de forma descontrolada. Este Estado viveu, um pouco como o português, do
excesso de dinheiros europeus. O problema é que as actuais políticas
financeiras da União Europeia não apenas ameaçam o antigo funcionamento
parasitário do Estado grego, como ameaçam a própria existência de um Estado a
funcionar. Elas estão a potenciar o aparecimento de um território caótico, onde
o Estado de direito se torne uma miragem, ou então uma guerra civil, o que é a
mesma coisa. O primeiro problema grego é político. Está a ser tratado com se fosse
financeiro. Não o é. O problema financeiro é, em larga medida, o resultado do
problema político. Por que razão os parceiros europeus não percebem isto? Já lá
vamos.
Externamente, a Grécia é um lugar muito, mas mesmo muito sensível.
Situada num vespeiro, os Balcãs ou a Península Balcânica, a Grécia está próxima,
demasiado próxima, do mundo muçulmano, tanto da Turquia como do mundo
mediterrânico. Para tornar este lugar mais explosivo é preciso perceber que os
ventos, digamos assim, da Ucrânia chegam à Grécia muito rapidamente. Para não
falar, da comunhão espiritual entre gregos e russos, devido à Igreja Ortodoxa.
A Grécia está num local para onde parecem convergir muitos dos problemas que
preocupam o Ocidente. Imaginemos que a Grécia entra em convulsão. Que ela se
torna um Estado pária, com as instituições políticas desagregadas. O que vai
acontecer à Europa? Já imaginou? As políticas da União Europeia, desde que a
crise foi declarada, já derrubaram quatro governos. Têm tentado derrubar,
desesperadamente, o quinto. Este com mais fervor. Por que motivo? Já
lá vamos.
Contra as pretensões do actual governo grego surgem dois argumentos.
Um, de matriz popular mas posto a correr pelos políticos europeus, é o
argumento moral: os gregos são uns malandros, não querem trabalhar, só querem viver à
custa dos outros. Um segundo argumento está ligado à tentativa de impor uma
visão do Estado mínimo, da destruição das estruturas do Estado social e de
empobrecimento da população pobre e da classe média (os outros nunca são
afectados, pois o dinheiro já voou há muito). É o argumento ideológico, o
argumento que tenta impor uma visão da sociedade como se fosse a única
possível.
Tudo isto, porém, são aparências. O que está em jogo, por parte dos
parceiros europeus, é uma questão política pura e dura. O que está em jogo é a
defesa de uma ideologia, claro, mas também dos poderes dos vários governantes
europeus. Uns, na Alemanha e nos que ainda não caíram nas dificuldades do Sul, sabem que a ajuda à Grécia, a resolução de um problema complexo, lhes pode fazer
perder o poder nos respectivos países. Outros, como em Portugal e em Espanha,
sabem que resolver o problema grego mostra a natureza absolutamente injusta das
suas políticas internas, da sua subserviência à Alemanha, e lhes trará pesadas
derrotas eleitorais.
O que nós estamos a assistir não é a um problema financeiro, mas a um
problema político. O governo grego tenta tirar partido da sua situação
geopolítica, para resolver aquilo que foi criado pelos PSD (ND) e PS (PASOK) lá
do sítio com a cumplicidade da União Europeia. Os parceiros europeus tentam
desesperadamente que o Partido Popular Europeu não seja varrido dos governos
onde está. A questão ideológica e o poder nos vários países são os únicos
motivos que fundamentam a posição da União Europeia perante a Grécia. Não é a
questão do dinheiro (todos sabem que os gregos assim ou assado nunca pagarão a
dívida) nem a questão moral.
É o poder, o santo poder em cada um dos países que
está em jogo. E é este poder que, travestido de moralidade financeira, está a
jogar o mais perigoso dos jogos: lançar a Grécia no caos. O que significa
lançar os Balcãs na confusão e daí para a frente toda a Europa se pode
incendiar. Portanto, cada vez que se fala da situação financeira da Grécia
está-se a falar de outra coisa. Está-se a falar de política, de ganhar
eleições, de não perder o poder. É por tudo isto que deve haver um generoso
acordo com os gregos (a paz na Europa vale muitas dívidas gregas). Mas é
provável que não haja acordo, pois o actor político persegue em primeiro lugar
o seu poder pessoal, assegurar a sua eleição nacional, e não o bem comum.
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