Andrés Nagel - Ciclista (1981)
O meu tempo de infância e de adolescência é um território povoado pela utopia desportiva. Não que eu fosse praticante de qualquer modalidade. Nunca tive qualquer habilidade ou capacidade para tal coisa. O mundo do desporto, porém, entrava-me pela casa dentro na figura do meu pai. Não apenas pelo seu benfiquismo mas por ter sido, por diversas vezes, dirigente desportivo. Tudo isto vem a propósito de ter começado hoje o Tour de France.
A minha paixão desportiva tinha três modalidades alvo. O futebol - estávamos nos tempos de ouro do Benfica -, o hóquei em patins - eram as extraordinárias sagas dos lusitanos contra os castelhanos, mesmo que estes fossem catalães ou galegos - e o ciclismo. O ciclismo era o desporto de Verão. Não era o Tour, porém, que concentrava a atenção - isso só aconteceu com a chegada do grande Joaquim Agostinho, um sportinguista estimado por toda a gente -, mas a Volta a Portugal, o nosso tour bem à imagem do Portugal dos Pequenitos, essa conspiração do professor Bissaya Barreto e do Arquitecto Cassiano Branco.
Era uma corrida doméstica, quase amadora, onde os três grandes clubes nacionais continuavam a dura peleja entre eles interrompida pelas férias do futebol. Enquanto lá fora os ciclistas corriam, como hoje, por marcas de frigoríficos, de canetas ou de cigarros, em Portugal as paixões desportivas incendiavam-se em tornos dos ciclistas do Benfica, do Porto e do Sporting. Quando a Volta passava por perto, o meu pai levava-me a ver os corredores.
Era um momento mágico. Ouvia-se a informação no rádio e esperava-se, esperava-se, até que eles, envolvidos numa comitiva quase circense, se aproximavam, nas suas camisolas rutilantes, e, unidos numa teia a que se dava o nome de pelotão, passavam altaneiros diante dos meus olhos, numa velocidade vertiginosa, como se fossem a seta do tempo, aquela que só descobrimos quando envelhecemos. Eles vinham e iam-se num abrir e fechar de olhos, aquele que separa o sonho da vigília. Nem o camisola amarela eu conseguia ver.
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