terça-feira, 14 de julho de 2015

Utopia e crime

Rudolf Lutz - Utopia (1921-22)

Recupero um antigo texto meu,de 2009/02/17, a propósito do início do julgamento dos hediondos crimes do regime Khmer vermelho, no Cambodja. Não o faço porque a questão khmer tenha voltado à agenda, mas porque o euro, a ideia de moeda única no espaço europeu, é uma utopia e traz com ela tudo o que de mal têm as utopias políticas e sociais.

É muito corrente contrapor às perversões ideológicas, de direita ou de esquerda, a bondade da utopia. A sociedade e a política não podem, porém, ser objecto de utopias. Porquê? Porque a utopia é tudo menos uma coisa bondosa. O que significa a utopia? Significa que a imaginação se libertou da experiência sensível e dos ditames da razão. Um delírio apossa-se das pessoas e aquilo que é apenas uma imagem irreal pode tornar-se realidade. Como a experiência e a razão estão postas entre parêntesis, a imaginação determina a vontade na acção.

Sem qualquer imperativo moral que a coaja, a vontade é agora um veículo perfeito do delírio utópico. Facilmente se percebe como tudo isso se torna num empilhamento infinito de cadáveres. Se a realidade resiste, isto é, as pessoas, então a força fará o que tem a fazer. A palavra utopia, que a tantos corações generosos inflama, é apenas, ao nível social e político, a senha para o crime generalizado.

Isto foi escrito sobre o regime khmer vermelho, mas é a isto que estamos a assistir, ainda que de forma mais subtil, na civilizada Europa, de onde a democracia, para além do ritual formal, desapareceu arrastada pelo vendaval utópico. Sabemos todos, agora, que se a resistência à utopia monetária sobe, a subtileza desaparece de imediato. Falta-nos a experiência final. Se mesmo assim ainda houver alguém que resista, serão enviados, como nos tempos da União Soviética, os tanques?

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